13/10/2010
Por Reinaldo Azevedo
Ó, eu sou aquele que continua a não saber quem vai vencer a eleição presidencial de 2010. “Eles”, vocês estão cientes, sabem e estão tão certos disso como os crentes num “budismo qualquer”, diria o poeta. O que me cabe é desfazer contas fantasiosas com que o petismo tenta enganar a opinião pública, sempre com o auxílio luxuoso da calculadora torturada dos “especialistas em pesquisa”, que confessam tudo aquilo que desejam seus manipuladores. E o maior dos engodos é a fabulosa capacidade de Lula de transferir votos, que é bem menor do que parece. Já chego lá. Antes, algumas considerações.
Uma das besteiras espantosas, que virou propaganda do PT na TV, diz que o Brasil quer eleger uma mulher. Qual é a conta? Somando-se os percentuais de votos de Marina Silva, do PV (19,33%), aos de Dilma Rousseff, do PT (46,91%), chega-se a 66,24%, contra, então, 33,67% dados aos homens, dos quais 32,61% são do tucano José Serra. Nesse caso, o sexo vira uma categoria política, e a eleição seria decidida numa clivagem de gênero. Ouso divergir da malandragem. Lembro que outras associações são possíveis. E é ao fazer a conta que descobrimos que não será tão fácil marcar com uma plaquinha, a exemplo do que pretende aquele blogueiro pançudo do PT, as pessoas que reagem às ordens de Luiz Inácio Lula da Silva.
Maioria de oposição
Comecemos pela conta mais simples de todas: Dilma só não obteve os 50% mais um dos votos válidos porque os que se opuseram à sua candidatura — e, portanto, às ordens do Babalorixá de Banânia — formaram a maioria dos eleitores: 53,09%. É claro que são pessoas e partidos bastante diferentes entre si. Mas serão Dilma e Marina menos desiguais só porque mulheres? Ora, essa conta que leva a um confronto de gêneros é um truque ridículo, uma bobagem. Revela também preconceito. Até parece que mulheres estão condenadas a deixar suas divergências de lado — estas se tornariam um privilégio dos machos — para se unir em torno da, sei lá eu, “condição feminina”.
Antes que avance, uma lembrança. Lula, que tem licença para dizer todas as bobagens que lhe pintam na cachola, afirmou anteontem num comício em Ceilândia, no Distrito Federal, o que segue:
“Uma pergunta que vocês precisam fazer a vocês mesmos: que diabo esse Lula, com tanto macho perto dele, macho que cerca ele a vida inteira, foi escolher uma mulher para ser presidente da República? Eu poderia ter escolhido um deputado, um senador, um governador, não poderia? Por que fui escolher a Dilma? Hoje estou convencido que a minha decisão foi certa.”
Muita gente não atentou para o caráter obviamente preconceituoso da expressão, embora a intenção, certamente, tenha sido outra. Lula, no fim das contas, está pedindo que o eleitor deixe de lado uma fragilidade de Dilma: a sua inexperiência. E põe em pé de igualdade com essa vulnerabilidade o fato de a candidata não ser um dos “machos” que o cercam. O presidente está afirmando que a escolha natural seria, então, um “macho experiente”. Ele é que decidiu inovar — afinal, é um representante daquela espécie… Se a imprensa, com as exceções de praxe, não fosse tão condescendente com as bobagens que Lula diz, ele até poderia ser um governante popular, mas certamente não seria um mito, o que sempre é nefasto na vida pública. Vamos seguir.
Se é possível afirmar que as mulheres obtiveram mais votos, também é possível afirmar que as oposições venceram o governo. Ou não? “Ah, mas os oposicionistas não vão se unir, e o eleitorado de Serra e Marina são muito diferentes entre si: 1) essa diferença pode ser menor do que parece; 2) Marina e Dilma, tudo indica, também não marcharão unidas. Na política, e mais fácil a convergência de eleitorados de oposição do que a convergência de eleitorados de gênero.
A popularidade e a mistificação
A dita popularidade de Lula quase mata a política no Brasil e funda o moto-contínuo eleitoral, a saber: governo aprovado pela população torna a eleição um mero ritual de homologação; fará sempre o seu sucessor. Reitero: não sei quem vai vencer a disputa, mas sei que a transferência de votos de Lula para Dilma é muito, mas muito!, menor do que parece. E o é de vários modos.
As pesquisas de avaliação do governo e do presidente quando casadas com as pesquisas eleitorais refletem, na verdade, a opinião do eleitorado, não exatamente dos brasileiros. E é num eleitorado de 135.804.433 de pessoas que Lula atinge a marca de 77% de bom e ótimo. “Se é assim, dizem muitos, então ele já elegeu seu sucessor” — no caso, sucessora. Huuummm… Dilma obteve, nesse universo, 47.651.434 de votos, ou 35,08% dos votos. Sabem o que isso significa? 64,92% dos eleitores não votaram na candidata indicada pelo presidente aprovado por 77%!
Não, não me tomem os petralhas por bobinho. Não estou dizendo que essa maioria que não votou em Dilma rejeita ou esnoba Lula; nada disso. Estou afirmando apenas que são pessoas que resistiram a seu comando; que a esmagadora “aprovação” não significa necessariamente voto. E por que o percentual final da petista foi de 46,91%? Porque os votos válidos somaram 101.590.153 pessoas. Deixaram de votar 24.610.296; outras 6.124.254 anularam, e 3.479.340 preferiram o branco.
Abstenção e votos brancos e nulos existem em todas as democracias do mundo. No país do presidente mais popular da Terra, como se diz por ai, esses votos ganham sabor especial porque não há como essa gente não estar contemplada naqueles 77% que supostamente acham o governo ótimo ou bom. Acham, mas não votam? Acham, mas anulam? Acham, mas votam em branco?
Sigamos mais um pouco. Vamos pensar, então, na porcentagem de Dilma entre os votos válidos: 46,91%, a menos de quatro pontos da metade mais um. O PT tem um terço do eleitorado — vá lá, do “eleitorado válido” —, seja Dilma a candidata ou um poste. No primeiro turno da eleição, o presidente mais popular do Sistema Solar transferiu à sua candidata, no máximo, 14 pontos dos votos válidos (isso na suposição de que ela não tenha conseguido nada por seus próprios méritos). É voto pra chuchu? Ô se é! Não para Lula! Eu esperava mais do maior presidente do mundo mundial…
Não estou subestimando a dianteira de Dilma. Tampouco estou afirmando que ela vai perder — eu nunca digo coisas assim; as pitonisas de aluguel é que asseguravam a derrota de Serra. Estou deixando claro que Lula não tem o controle da massa como asseveram alguns mistificadores — o que não significa que ele não queira ter. De todo modo, não é preciso contar com o concurso dos ausentes e dos que invalidaram seu voto para concluir uma coisa inequívoca: a maioria das pessoas que votaram no primeiro turno preferiu a crítica ao auto-elogio desmedido.
Lula ainda não é “a opinião pública”. Entre as pessoas aptas a votar, só 35% escolheram a sua candidata; no grupo, certamente estão os eleitores que o fariam com ou sem a orientação do presidente - logo, a sua influência direta é ainda menor.
“Ah, então Dilma vai perder, Reinaldo?” Eu não sei. No momento ao menos, a coisa pode não andar muito bem no arraial petista. Ou eles não estariam tão furiosos.
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