sábado, 16 de outubro de 2010

Campanha suja chega ao fundo do poço - Mônica Bergamo resolveu ser o Collor da Mirian Cordeiro da hora

Por Reinaldo Azevedo
O debate que interessa — e que foi primordialmente feito pelos cristãos — nunca satanizou as mulheres que fizeram aborto. A questão é de natureza legal. A candidata Dilma Rousseff, do PT, defende a descriminação da prática e integrou um governo que atuou fortemente nessa direção. Ninguém saiu por aí tentando saber se A ou B fizeram aborto.

Há alguns dias, Elio Gaspari escreveu que estavam ressuscitando Mirian Cordeiro — ex-namorada de Lula e mãe de Lurian —, que deu um depoimento no horário eleitoral de Fernando Collor em 1989 afirmando que o petista a havia pressionado a abortar. Muitos atribuem a isso a derrota do petista, o que é bobagem. Mas o episódio ficou conhecido como símbolo da baixaria em campanha. Em 2010, a questão é bem outra: o governo Lula, especialmente o Ministério da Saúde e a Secretaria das Mulheres, é pró-aborto. A candidata oficial assim havia se posicionado. O debate é legítimo. Se ele beneficiou ou não Serra, aí são outros quinhentos. A pesquisa Datafolha diz que é beira a irrelevância.

Há dias circula na Internet petista a afirmação de uma ex-aluna de Monica Serra, Sheila Canevacci Ribeiro, segundo quem Mônica Serra teria confessado ter feito um aborto quando no exílio, nos EUA. Mônica Bergamo, colunista da Folha, acreditem!, decidiu fazer disso uma “reportagem”, publicada no jornal de hoje. A campanha suja, que teve início com a formação daquele bunker em Brasília para produzir um dossiê contra José Serra, chega ao fundo do poço.

Sheila votou no PSOL e optaria por Dilma no segundo turno — não vai votar porque em viagem. Para caracterizar a Mirian Cordeiro da hora como alguém de credibilidade, até um tanto atucanada, escreve Bergamo: “Sheila é filha da socióloga Majô Ribeiro, que foi aluna de mestrado na USP de Eva Blay, suplente de Fernando Henrique Cardoso no Senado em 1993. Majô foi pesquisadora do Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero da USP, fundado pela primeira-dama Ruth Cardoso (1930-2008). Militante feminista, Majô foi candidata derrotada a vereadora e a vice-prefeita em Osasco pelo PSDB.”

O truque consiste em caracterizar Sheila, eleitora do PSOL e de Dilma, como alguém do, digamos, campo da vítima, que passa, assim, a ser um tanto culpada pelo mal que a atinge. Bergamo diz que a assessoria de Mônica Serra não se manifestou. Estranho. A questão me parece grave o bastante para ser assim. Vamos aguardar as próximas horas.

É o fundo do poço!
Elio Gaspari, que andava em busca da Mirian Cordeiro da hora, já a encontrou. Chama-se Sheila. E quem lhe dá voz é uma colega sua, do jornal. Nunca se soube se Lula pediu àquela senhora que fizesse ou não o aborto. O fato é que Lurian estava vivinha da Silva, e absurdo era o seu depoimento. Como absurda é a “denúncia” da tal Sheila — afinal, ainda que fosse verdade, tratar-se-ia do rompimento de uma relação de confiança, em assunto privado.

Reitero: ainda que fosse verdade, e duvido que seja, qual é a diferença entre a execrada Mírian Cordeiro e a tal Sheila? Nenhuma! Há uma diferença nesse caso: em 1989, Collor não contou com o “jornalismo” para ajudá-lo. Desta feita, os adversários de Serra contaram com Mônica Bergamo.

É uma norma nova?
Estamos agora diante uma norma? Tudo o que “A” disser sobre a vida de “B,” desde que “B ” seja uma pessoa pública, deve ir para os jornais, e “B” que se encarregue de dizer que é mentira? A coisa é tão absurda que ficamos assim: se Mônica Serra desmentir, será a palavra da dona do útero contra a da não-dona. Em quem acreditar? Pergunto: se Mônica Bergamo tivesse conseguido falar com Mônica Serra e se esta tivesse negado ter feito o aborto, a matéria não teria sido publicada? Vocês sabem a resposta. Teria, sim!

O poder destruidor da vítima
Acima, escrevi um texto sobre o poder destruidor que têm as supostas vítimas e o vitimismo. Em que ele consiste? Fulano inventa que está sendo alvo de uma grande conspiração, que está sendo severamente agredido por este e aquele e, então, consegue a licença (a)moral para praticar as coisas mais sórdidas.

Parte da imprensa considera que o debate sobre o aborto ilegítimo — debate que, insisto, começou a ser travado na sociedade, especialmente nas igrejas. Dilma Rousseff colocou-se como “vítima”. Nessa condição, pôde, então, iniciar a série de ataques aos tucanos, especialmente com as mentiras sobre as privatizações. Essa mesma parcela da imprensa é solidária a ela; acredita que, se Dilma pode ser cobrada sobre a defesa que fez da descriminação do aborto, então tudo é permitido. Na suposição de que o outro delinqüiu primeiro, então se parte para a delinqüência.

O golpe é baixo. É o fundo do poço. O fato de Serra ter encostado em Dilma nas pesquisas deflagrou, agora sim, a verdadeira guerra suja: aquela travada em certa imprensa. Ela não conhece limites. E algo me diz que ainda não vimos tudo.

A questão merece uma resposta política e legal. Com efeito, não via nada assim desde Mirian Cordeiro. Mas ela, ao menos, estava no horário político do PRN.

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