Habituada aos aplausos das plateias amestradas e aos sorrisos aprovadores dos áulicos, a presidente Dilma Rousseff foi surpreendida nesta terça-feira por sons especialmente agressivos a tímpanos condicionados pelo coro dos contentes. Ao ouvir os primeiros gritos vindos do auditório lotado por participantes da XV Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios, a oradora interrompeu a discurseira com expressão confusa. Demorou cinco segundos para captar a cobrança formulada aos berros: centenas de prefeitos exigiam que revelasse, sem rodeios nem evasivas, qual é a posição do governo sobre a distribuição dos royalties do petróleo.
Até então, o inchaço das pálpebras, o olhar sonolento e a voz entediada identificavam uma presidente que não havia dormido direito. A algaravia desafiadora substituiu a mulher cansada pela chefe intolerante, autoritária desde criancinha, incapaz de ser contrariada sem retaliar com a repreensão humilhante, o pito grosseiro, o cala-boca que não admite tréplicas. O vídeo registra a reação rosnada em dilmês vulgar.
“Petróleo… petróleo… Ocês não vão gostá do que vô dizê… Tá?”, começou Dilma, contendo na garganta o som da fúria. “Petróleo… ocês não vão gostá. Então eu vô dizê uma coisa pra vocês. Num tem… não acreditem que vocês conseguirão res… resolvê a distribuição de hoje pra trás. Então, lutem pela distribuição de hoje pra frente”. O ponto final na frase sem pé nem cabeça encerrou também o discurso.
Com a suavidade de um estivador em fim de expediente, o alvo dos apupos capturou o papelório preenchido com letras grandes para que o neurônio solitário não tropeçasse tanto na leitura e se ergueu da cadeira transpirando cólera. Acelerou o andar que aprendeu com algum cowboy americano, fez uma escala diante do presidente da associação dos municípios, interpelou de dedo em riste o organizador do fiasco e saiu de cena cavalgando o chilique.
Como previra, os prefeitos não gostaram mesmo do que ouviram. E revidaram com uma vaia que, além de mais algumas noites insones, garantiu uma vaga perpétua na memória na presidente. Ela logo saberá o que Lula sabe desde aquela tarde no Maracanã: a primeira vaia ninguém esquece.
Poe: Augusto Nunes
Nenhum comentário:
Postar um comentário