10/05/2012
às 7:01
Caras e caros,
tenho me dedicado, nesses dias, a escrever alguns textos bastante longos — e, felizmente, muito lidos —, sobre a degeneração em curso de alguns valores essenciais de um regime democrático. É o que continuo a fazer hoje. Se acharem que o tema é pertinente e toca em questões importantes para uma vida civilizada, passem-no adiante, debatam-no com os amigos. Vamos lá.
tenho me dedicado, nesses dias, a escrever alguns textos bastante longos — e, felizmente, muito lidos —, sobre a degeneração em curso de alguns valores essenciais de um regime democrático. É o que continuo a fazer hoje. Se acharem que o tema é pertinente e toca em questões importantes para uma vida civilizada, passem-no adiante, debatam-no com os amigos. Vamos lá.
Alguns brucutus, fascistóides ou
comunistóides cuja ideologia anda de quatro para se adequar à morfologia
dos pensadores, enviam seus comentários para cá alardeando um dos
clichês que fazem a sabedoria dos broncos: “Quem não deve não teme” —
quase invariavelmente, eles espancam a gramática e põem uma vírgula
depois de “deve”, que é para deixar claro que gostam de um conteúdo
estúpido numa forma também estúpida. Defendem, com raciossímio tão sofisticado, a convocação de jornalistas e do Procurador-Geral da República pela CPI do Cachoeira.
Há coisa de três ou quatro anos, escrevi
uma série de textos aqui lastimando a banalização dos grampos
telefônicos, levados a efeito por entes públicos ou privados. Advogados
criminalistas, juristas e policiais responsáveis sabem que estou dizendo
uma verdade incontrastável: se, nos EUA, escutas telefônicas são um dos
últimos recursos a que apela a polícia, no Brasil, virou o primeiro e,
não raro, o único. Como resultado, costumamos ter inquéritos com notável
deficiência de provas, o que é bom, em primeiro lugar, para os
criminosos. Mas meu ponto não é esse. Critiquei, naquele passado, o
festival de escutas, que simplesmente tornou sem efeito um direito
constitucional — já que há milhares de arapongas atuando ilegalmente —, e
tive de ouvir o alarido dos tontos: “Quem não deve não teme”.
Vocês pararam para pensar um pouco no
sentido dessa frase? Nas suas implicações? No que ela pode significar na
prática? Reflitam aqui com o Tio Rei. Ela não poderia ser divisa de um
estado democrático porque seu conteúdo faz supor uma permanente
vigilância dos indivíduos, de sorte que qualquer um pode ter a sua vida
vasculhada, esquadrinhada, virada do avesso. Ora, nas democracias, isso
só é possível com o devido processo legal. Logo, não se diz “quem não
deve não teme” porque, nesses regimes, não há motivos para temer. Mas
ela poderia estar, por exemplo, inscrita na bandeira da Coréia do Norte
ou de Cuba, onde todos têm até o dever moral de temer, já que os
direitos individuais cederam às razões de estado. Assim, cumpre a cada
cidadão demonstrar ao “líder” que sua vida segue os preceitos do estado.
Sabem aqueles choros coletivos da Coréia do Norte pela morte de Kim
Johng-Il? A minha hipótese mais terrível não é aquilo ser uma uma farsa
imposta pelo estado. A minha hipótese mais terrível é aquele choro ser…
sincero!
“Quem não deve não teme” é, em suma, um
lema apropriado aos estados totalitários, autoritários ou que assistem à
degeneração da democracia. E, como é próprio de países assim — George
Orwell, magistralmente, tratou a questão no livro “1984″, com a
“novilíngua” —, as palavras devem ser tomadas sempre pelo avesso. Se a
democracia não é um valor inegociável e se as liberdades individuais e
públicas estão sob ataque, MAIS TEM DE TEMER QUEM NADA DEVE. Porque há
uma grande chance de os devedores estarem no poder e no comando do
aparelho do estado.
“Quem não deve não teme”, proclamava,
ainda que com outras palavras, Stálin durante os Processos de Moscou —
que matou devedores e não-devedores; afinal, o critério não era culpa ou
inocência, mas uma “higienização política” do sistema. “Quem não deve
não teme”, proclamou, ainda que com outras palavras, Hitler, que matou
milhões de inocentes. “Quem não deve não teme”, proclamam hoje ditadores
mundo afora e chicaneiros aqui mesmo na América Latina, a exemplo do
que se vê na Argentina, na Venezuela ou no Equador!
“Quem não deve não teme”, poderia
proclamar, com o seu estilo muito característico, o senador Fernando
Collor de Mello (PTB-AL), um dos entusiastas da convocação de
jornalistas e do procurador-geral da República! Que figura este senhor!
De adversário feroz do PT, virou uma espécie de laranja de José Dirceu e
dos mensaleiros na CPI! “Quem não deve não teme”, esgoela-se o deputado
Protógenes Queiroz (PCdoB-RJ), ele próprio um usuário dos serviços de
Dadá, um dos operadores de Carlinhos Cachoeira, e delegado indiciado
pela própria Polícia Federal. Patriotas desse naipe querem, agora,
criminalizar o trabalho limpo da imprensa, abusando do que já é uma
clara violação de uma prerrogativa constitucional: o sigilo da fonte.
Há, ainda, outro sentido oculto nessa
frase, que não encontra lugar numa sociedade democrática. Ela supõe que
as pessoas devam, de saída, ainda que não sejam formalmente acusadas de
nada, provar a sua inocência, invertendo de forma absoluta um primado
das sociedades democráticas e de direito: quem o acusa de uma crime é
que tem de provar a sua culpa. Só nas tiranias se exige que o indivíduo
prove que não fez determinada coisa, o que é um absurdo, em primeiro
lugar, lógico. No dia em que um cidadão for obrigado a produzir prova
negativa, então estaremos vivendo, certamente, sob uma ditadura.
Os tontos, como se eu não soubesse o que
vão escrever e o que pensam, têm reagido a esses textos que escrevo com o
esgar de sempre: “Ah, está com medo, né?” Medo de quê? De tudo o que
já se ouviu à farta, evidenciando a conversa de um jornalista com sua
fonte — a exemplo do que acontece com todos os jornalistas do mundo?
Ora… Essa gente tem o direito de ser ridícula — e eu, de chamá-la de
ridícula. MEDO NENHUM! ZERO! NADA! O que me interessa é outra coisa.
O QUE ME INTERESSA É SABER QUAIS SÃO OS
SENADORES E DEPUTADOS DA CPI — a disposição de Collor e Protógenes, por
exemplo, eu já conheço; afinal, eles têm uma biografia, não é? — QUE VÃO
PROPOR ESTE PASSO PERIGOSO: SOB O PRETEXTO DE CHAMAR JORNALISTAS PARA
DEPOR COMO TESTEMUNHAS, QUEREM PÔR A IMPRENSA — TODA A IMPRENSA — NO QUE
PRETENDEM QUE SEJA NÃO O BANCO DAS TESTEMUNHAS, MAS O BANCO DOS RÉUS. E
por quê? Qual é a acusação? Ora, aproveitem e convoquem para um
desagravo todos aqueles que Dilma demitiu, diante de uma fartura de
evidências. Pretende-se, assim, atravessar uma linha que só a ditadura
ousou atravessar antes. Não se esqueçam de dar junto um golpe de estado
com pretensões à perenidade. Só assim a história lhes faria justiça…
“Impunidade para a imprensa”? Não sejam
ridículos! Impunes querem continuar os que pretendem usar a CPI para
“dar uma lição nesses jornalistas”. Em nome de quais valores? Ora,
justamente porque a imprensa nada deve nesse caso é que deve temer.
Temer o quê? Eventuais evidências que possa haver no papelório e nas
fitas? Uma ova! Não há nada porque nada se fez de ilegal. O que se deve
temer é o claro arreganho autoritário, a agressão a um princípio
constitucional QUE TEM SERVIDO PARA TORNAR MELHOR O BRASIL, NÃO O
CONTRÁRIO.
Se os senhores parlamentares têm uma
acusação à imprensa ou a este ou àquele jornalistas, que recorram à
Justiça! Ou, então, entrem para a história como os coveiros da liberdade
da imprensa, incluindo o Brasil na lista dos países em que mais tem de
temer quem nada deve.
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