Um
idiota truculento tentou ferrar a minha vida quando eu tinha 15 anos.
Eu era, sim, ligado a um grupo de esquerda. Mas fui, vamos dizer,
“descoberto” por causa de um concurso de redação, que venci — presente:
uma Enciclopédia Barsa! Os mais jovens não têm noção do que é isso em
tempos pré-Google (e ponham “pré” nisso…). O tema era o Dia da Árvore e a
preservação da natureza. Fiz lá um texto alegórico — eu o tenho ainda,
mas fica para as memórias, hehe… —, que era, na verdade, uma espécie de
manifesto contra a ditadura; a árvore e a natureza viraram meros
pretextos. Na comissão julgadora, havia um professor ligado o Dops. E a
coisa engrossou. Eu era o pivô da perseguição, mas ele mirava mesmo era o
colégio estadual em que eu estudava, onde julgava haver um núcleo
subversivo. De fato, havia militantes de esquerda entre os professores —
mas não me engajei por intermédio deles, não. Estamos falando do ano de
1976. A dita ainda era muito dura.
Não tenho
razões pessoais — muito pelo contrário — para ter simpatias pelo
“regime”, pela “ditadura” ou para “defender torturadores”, como querem
alguns cretinos que não lutaram contra porcaria nenhuma. Não lutam nem
contra a própria ignorância histórica. São radicais do sucrilho e do
toddynho, como os chamo, influenciados pela “petização” da educação. O
PT é uma derivação, vamos dizer, teratológica da própria esquerda. Esta
chegou a reunir, sim, intelectuais de peso. Ainda que pudessem estar
essencialmente enganados sobre muita coisa e cultivassem uma ética
torta, tinham ao menos informação. O petismo educacional é o elogio da
ignorância. Os alunos são estimulados a ficar do “lado certo da
história”, não a estudar. Já me defrontei aqui e ali com esses tipos num
debate ou outro. Ignoram os textos básicos do pensamento de que se
dizem procuradores. É uma lástima!
Também não
passei a admirar os meus algozes, não. Tampouco mudei de lado! Se
quiserem, mudei, sim, de perspectiva, e já faz tempo!, e escolhi a
democracia — e isso é inegociável. Querem saber onde estão as 136
pessoas desaparecidas, prováveis vítimas da repressão? Eu apoio a
iniciativa. É preciso uma Comissão da Verdade pra isso? É evidente que
não! Rejeito que se use uma reconstituição parcial da história para, a
um só tempo, mentir sobre o passado e reforçar posições de determinadas
correntes ideológicas no presente. E rejeito justamente porque tal
prática não cabe na democracia — aquela que abracei.
Já lembrei
aqui: a honestidade intelectual doeu, por exemplo, mais no ex-ministro
do Supremo Eros Grau do que em mim. Ele foi preso e torturado. Eu não
fui — embora eu sinta ainda hoje um profundo ódio daqueles canalhas que
não viram mal nenhum em perseguir um garoto. Mesmo assim, Grau fez uma
candente defesa do alcance da Lei da Anistia, demonstrando — ao lado de
outros ministros, como Gilmar Mendes e Celso de Mello, por exemplo — que
ignorá-la significaria fraudar os fundamentos do estado democrático e
de direito.
Assim, não
me venham alguns tontos e tontas, que não têm a menor noção do que
significa, de fato, combater um regime autoritário tirar o traseiro do
sofá para apontar o dedo acusatório. Trata-se de uma combinação
asquerosa de covardias. É covarde porque miram em inimigos que não podem
reagir — pudessem, é provável que os valentes de agora estivessem em
silêncio. É covarde porque é a democracia que não construíram que lhe
faculta tal prática. E essa democracia que não construíram só existe
porque pactos políticos, tornados história, foram feitos e incorporados
ao processo de pacificação do país.
Eu não
perdoei aquele idiota que me perseguiu e me pôs sob um sério risco. Faço
as contas aqui. Talvez esteja morto. Se não estiver, uma saudação pra
ele: “Vá à merda!” Mas o processo político o anistiou — sei lá que
outras barbaridades ele aprontou. Como anistiou os que comandavam grupos
que assaltavam bancos ou executavam pessoas em nome da “causa”.
Esses que
agora se querem defensores da “Comissão da Verdade” e meia-dúzia de
procuradores que têm a ousadia de desrespeitar a lei, ademais, se querem
os donos da história; acham que podem privatizar o passado do país para
definir “a” verdade. Que boa parte desses radicais estouvados não tenha
vivido aqueles dias, isso é evidente — e a juventude, observo com
humor, é um mal que invejo, mas que tem cura e é perdoável. Que apostem,
no entanto, na depredação do estado de direito, ah, isso é imperdoável!
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