Atenção, brasileiros para esta afirmação:
“Não é verdade que ninguém está acima da lei!”
Ela traz a assinatura de um grupo de… juízes!!!
Se vocês tiverem alguma demanda na Justiça, verifiquem se o juiz que vai cuidar do caso pertence à “Associação Juízes para a Democracia”. Se pertencer, verifiquem, em seguida, se a “outra parte” integra um desses grupos que são considerados, sobretudo por si mesmos e pelas esquerdas de modo geral, os donos da democracia. Se isso acontecer, só lhes resta pedir que seja declarada a suspeição do magistrado. E eu vou explicar por quê.
Essa associação divulgou um documento como, creio, nunca houve na história do Brasil, nem nos tempos mais radicais do chamado “Direito Achado na Rua”, quando o gramsciano declarado Roberto Lyra Filho (1926-1986) chamava os catedráticos da área de “catedráulicos”, para indicar a sua “subserviência ao sistema”. Para quem não acompanhou esse debate, já escrevi muito a respeito. Há aqui um texto de 2007 com os princípios da turma.
Há um truísmo nas democracias de direito: “Ninguém está acima da lei”. É um princípio consagrado em todo o mundo livre. Uma frase é universalmente citada, ao menos nos países civilizados, como síntese desse valor: “Ainda há juízes em Berlim”. Remete à pendenga judicial de um simples moleiro contra ninguém menos do que o rei Frederico 2º. Pois bem, a dita associação resolveu jogar fora todo esse estoque de saber jurídico. Emitiu uma nota sobre a USP — espero que não haja na direção da entidade parentes de pessoas processadas por dano ao patrimônio público e constrangimento ilegal — em que afirma, como se lê lá no alto, que há, sim, pessoas que estão acima da lei.
Sendo assim, então se entende que há pessoas no Brasil que exercem um poder que a nenhum dos Três Poderes da República é conferido: A SOBERANIA! Segue o manifesto dos valentes em vermelho. Comento em azul.
A ASSOCIAÇÃO JUIZES PARA A DEMOCRACIA - AJD, entidade não governamental e sem fins corporativos, que tem por finalidade trabalhar pelo império dos valores próprios do Estado Democrático de Direito e pela promoção e defesa dos princípios da democracia pluralista, bem como pela emancipação dos movimentos sociais, sente-se na obrigação de desvelar a sua preocupação com os eventos ocorridos recentemente na USP, especialmente em face da constatação de que é cada vez mais frequente no país o abuso da judicialização de questões eminentemente políticas, o que está acarretando um indevido controle reacionário e repressivo dos movimentos sociais reivindicatórios.
Já há absurdo o bastante nesse primeiro parágrafo. Quando um direito é agravado, há três saídas possíveis: a) a pessoa que teve seu direito aviltado se conforma e se torna refém do aviltante; b) quem foi desrespeitado resolve a questão no braço, num apelo à volta ao estado da natureza; c) quem teve seu direito agravado recorre à Justiça. Uma associação de juízes — notem bem!, de juízes — está afirmando que a pior saída é recorrer à Justiça. Eles estão se referindo à USP. Como já está claro a todo mundo, soldados da PM coibiram, cumprindo seu papel legal, o consumo de droga ilícita. Grupelhos de extrema esquerda, que representam a extrema minoria da universidade, decidiram transformar a questão num casus belli. Não há “movimento social reivindicatório” nenhum! Ademais, juízes existem para aplicar a lei, não para punir reacionários e proteger progressistas. Ou eles se fizeram juízes para ser procuradores do “progressismo”? Se a associação diz defender o “estado de direito”, como pode atacar quem recorre à Justiça?
Com efeito, quando movimentos sociais escolhem métodos de visibilização de sua luta reivindicatória, como a ocupação de espaços simbólicos de poder, visam estabelecer uma situação concreta que lhes permita participar do diálogo político, com o evidente objetivo de buscar o aprimoramento da ordem jurídica e não a sua negação, até porque, se assim fosse, não fariam reivindicações, mas, sim, revoluções.
Trata-se de uma coleção formidável de bobagens, a começar da palavra “visibilização”, que vem a ser a “estrovengalização” da Inculta & Bela, que encontra o seu momento de sepultura sem esplendor. Que zorra quer dizer “visibilização”? A Reitoria da USP não é um espaço “simbólico” de poder, mas real, local da administração de uma estrutura que reúne 89 mil alunos, 5.200 professores, 15 mil funcionários. Os extremistas da LER-QI, do PCO, do MNN e de outras obscuridades não formam um “movimento social”. Nem mesmo invadiram a reitoria, inicialmente, com a concordância da direção do DCE. Sigamos.
Os auto-intitulados “juízes para a democracia” estão afirmando que depredar patrimônio público, usar capuzes à moda dos partidários de ações terroristas, estocar coquetéis molotov num prédio público em que se abrigam algumas dezenas de pessoas, obstar o direito de ir e vir, impor-se a estudantes e professores por meio da intimidação e da violência, estes juízes estão dizendo que tudo isso tem “o objetivo de buscar o aprimoramento da ordem jurídica e não a sua negação”.
E o texto se sai com um sofisma de uma tolice suprema, assustadora. Se assim não fosse, diz o texto, os invasores “não fariam reivindicações, mas, sim, revoluções”. Heeeinnn? Revolução? Os 72 da Reitoria? Seria de dar inveja aos 300 de Esparta! Ah, sim: eles reivindicam, claro! Recorrendo aos métodos acima descritos, pedem a saída do reitor, que exerce o cargo legal e legitimamente; pedem a saída da PM da USP, quando a maioria dos uspianos quer o contrário; pedem, no berro, o fim de processos judiciais contra notórios agressores do patrimônio público, como se juízes fossem. De resto, os canais da representação estudantil na USP estão abertos e são devidamente ocupados pelos alunos.
Entretanto, segmentos da sociedade, que ostentam parcela do poder institucional ou econômico, com fundamento em uma pretensa defesa da legalidade, estão fazendo uso, indevidamente, de mecanismos judiciais, desviando-os de sua função, simplesmente para fazer calar os seus interlocutores e, assim, frustrar o diálogo democrático.
Por que os senhores juízes dessa tal associação não tentam dizer qual é o “poder econômico” que está perseguindo aqueles pobre “meninos”, como os chamou um repórter? Por que a defesa da legalidade seria “pretensa”? Que lei, e estes senhores estão obrigados a dizê-lo, autoriza aquele tipo de comportamento? Qual é a função da Justiça que não a garantia dos direitos?
Aliás, a percepção desse desvio já chegou ao Judiciário trabalhista no que se refere aos “interditos proibitórios” em caso de “piquetes” e “greves”, bem como no Judiciário Civil, como ocorreu, recentemente, em ação possessória promovida pela UNICAMP, em Campinas, contra a ocupação da reitoria por estudantes, quando um juiz, demonstrando perfeita percepção da indevida tentativa de judicialização da política, afirmou que “a ocupação de prédios públicos é, tradicionalmente, uma forma de protesto político, especialmente para o movimento estudantil, caracterizando-se, pois, como decorrência do direito à livre manifestação do pensamento (artigo 5º, IV, da Constituição Federal) e do direito à reunião e associação (incisos XVI e XVII do artigo 5º)”, que “não se trata propriamente da figura do esbulho do Código Civil, pois não visa à futura aquisição da propriedade, ou à obtenção de qualquer outro proveito econômico” e que não se pode considerar os eventuais “transtornos” causados ao serviço público nesses casos, pois “se assim não fosse, pouca utilidade teria como forma de pressão”.
Ignorava essa peça magnífica do direito. Bom saber! Ele também pertence à associação. Se bem entendi, estamos diante do raciocínio da perfeita circularidade do valor da ilegalidade: 1) ocupa-se um prédio público para, por meio da imposição do transtorno a terceiros, obter um determinado resultado; 2) o que levaria à conquista do objetivo seria justamente o transtorno; 3) logo, a imposição de um movimento por meio da violência se justifica por sua eficácia, entenderam? Mais ainda: como a ocupação seria já uma “tradição”, então se insere entre as práticas aceitáveis. E há algo ainda mais encantador: se o objetivo não for a alienação, para sempre, do imóvel, os invasores podem continuar enquanto houver história…
Ora, se é a política que constrói o direito, este, uma vez construído, não pode transformar-se em obstáculo à evolução da racionalidade humana proporcionada pela ação política.
Gostei do “ora” porque faz supor que haverá uma dedução ditada pela pura lógica. A afirmação de que a “política constrói o direito” é uma falácia, é palavrório. Querem ver: eu posso dizer que “a política constrói as vacinas” ou que “a política constrói as prerrogativas dos juízes”. No fim das contas e, em certa medida, a política constrói qualquer coisa porque tudo tem um fundamento também político, em algum momento. Mas não é aceitável, certamente, que maiorias políticas de ocasião, ou minorias influentes, mudem o valor científico de uma vacina ou cassem as prerrogativas de juízes, não? Ou as leis asseguram a permanência das regras nas democracias de direito, ou tudo se torna, então, relativo. Calma, leitor! As coisas ficarão muito piores!
É por isso que a AJD sente-se na obrigação de externar a sua indignação diante da opção reacionária de autoridades acadêmicas pela indevida judicialização de questões eminentemente políticas, que deveriam ser enfrentadas, sobretudo no âmbito universitário, sob a égide de princípios democráticos e sob o arnês da tolerância e da disposição para o diálogo, não pela adoção nada democrática de posturas determinadas por uma lógica irracional, fundada na intolerância de modelos punitivos moralizadores, no uso da força e de expedientes “disciplinadores” para subjugar os movimentos estudantis reivindicatórios e no predomínio das razões de autoridade sobre as razões de direito, causando inevitáveis sequelas para o aprendizado democrático.
Trata-se apenas de uma soma de clichês de ultra-esquerda, de fazer inveja ao PCO, com exceção talvez da palavra “arnês”, que vem a compensar a “visibilização”. Invadir um prédio público no berro, na marra, depredando instalações, é “democrático”? Por que a associação não explica o que quer dizer com “modelos punitivos moralizadores”? É favorável, por acaso, aos “imoralizadores”? Agora vem o grande momento.
Não é verdade que ninguém está acima da lei, como afirmam os legalistas e pseudodemocratas: estão, sim, acima da lei, todas as pessoas que vivem no cimo preponderante das normas e princípios constitucionais e que, por isso, rompendo com o estereótipo da alienação, e alimentados de esperança, insistem em colocar o seu ousio e a sua juventude a serviço da alteridade, da democracia e do império dos direitos fundamentais.
Decididamente, é preciso mesmo solidarizar-se com as ovelhas rebeldes, pois, como ensina o educador Paulo Freire, em sua pedagogia do oprimido, a educação não pode atuar como instrumento de opressão, o ensino e a aprendizagem são dialógicos por natureza e não há caminhos para a transformação: a transformação é o caminho.
Eis aí! Os juízes dessa associação estão declarando que há pessoas que estão acima da lei. Quem? Em seu condoreirismo cafona, explicam: “todas as pessoas que vivem no cimo preponderante das normas e princípios constitucionais e que, por isso, rompendo com o estereótipo da alienação, e alimentados de esperança, insistem em colocar o seu ousio e a sua juventude a serviço da alteridade, da democracia e do império dos direitos fundamentais.” Trocando em miúdos: referem-se àqueles que dizem querer revolução, cuja ideologia se afina, parece, com a dos juízes da tal associação.
Cabe uma pergunta fundamental: se esses movimento invadirem tribunais, inclusive aqueles em que esses senhores atuam, o que farão? Juntar-se-ão aos invasores, que se farão, então, os donos momentâneos da Justiça, privatizando-a, expropriando os demais brasileiros de um dos Poderes da República, para submetê-lo, então, à sua pauta, à sua vontade? E serão intocáveis! Afinal, estão, como dizem esses juízes, acima da lei!
Paulo Freire citado como mestre do direito? Ai, ai… Este senhor está na raiz do mal fundamental da educação no Brasil. O estrago que fez, como se nota, vai além até de sua área de atuação. Foi Freire quem convenceu os idiotas brasileiros — e cretinos semelhantes mundo afora, mas, aqui, com efeitos devastadores — que a função de um professor é “conscientizar”, não ensinar. Os alunos brasileiros costumam se ferrar em exames internacionais de matemática, leitura e domínio da língua — não é, senhores da “visibilização”? —, mas conhecem todos os clichês da “cidadania”…
Numa democracia, nenhum dos Poderes é soberano; por isso, têm de ser independentes e harmônicos; não há aquele que possa se impor sobre os demais. Sabemos, no entanto, que a Justiça, em caso de conflito de direitos, detém a palavra final. Os homens que assinam essa estrovenga estão entre aqueles que podem decidir a sorte de pessoas, o seu destino. Qualquer um que esteja prestes a ter sua vida definida por um desses togados está certo de que entra no tribunal para encontrar um magistrado isento, que tenha a lei como parâmetro, que se oriente pela letra escrita tanto quanto possível ou por uma interpretação o mais abonadora possível do que vai consolidado na Constituição e nos códigos.
Cuidado! Pode ser um engano!
Você pode ser apenas um pobre coitado a enfrentar uma demanda contra “as pessoas que vivem no cimo preponderante das normas e princípios constitucionais”. Se tiver essa má sorte, esqueça! Vai perder a causa ainda que tenha razão. Não só não terá um juiz “justamente” a seu favor como o terá na condição de mero subordinado da outra parte. Afinal, se há quem esteja acima das leis, é evidente que há quem esteja acima também dos juízes — ou, pior, em cima deles!
Você tem o direito de saber quem aparece no “Expediente” da página da Associação Juízes para a Democracia. Você tem o direito de saber quais são as pessoas que, num tribunal, também se consideram abaixo dos que rompem “com o estereótipo da alienação, e alimentados de esperança, insistem em colocar o seu ousio e a sua juventude a serviço da alteridade, da democracia e do império dos direitos fundamentais.” Volto para encerrar.
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
José Henrique Rodrigues Torres, presidente do Conselho Executivo
Fernanda Menna Pinto Peres, secretária do Conselho Executivo
Alberto Afonso Muñoz, tesoureiro do Conselho Executivo
Edvaldo Marcos Palmeiras
João Marcos Buch
Geraldo Luiz Mascarenhas Prado
Reno Viana Soares
SUPLENTES
Angelica de Maria Mello de Almeida
Luís Fernando Camargo de Barros Vidal
Urbano Ruiz
REPRESENTANTES REGIONAIS
Bahia: Ruy Eduardo Almeida Britto, Reno Vianna Soares, Gerivaldo Alves Neiva
Maranhão: Oriana Gomes, Douglas de Melo Martins, José Edilson Caridade Ribeiro
Pernambuco: Airton Mozart Valadares Vieira Pires, Carlos Magno Cysneiros Sampaio, José Viana Ulisses Filho
Rio de Janeiro: André Felipe Alves da Costa Tredinnick, Rubens Casara, João Batista Damasceno
Santa Catarina: Angela Maria Konrath, Alessandro da Silva, João Marcos Buch
Tocantins: Marco Antonio Silva Castro
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Alberto Alonso Muñoz
Célia Regina Ody Bernardes
Fernanda Menna Pinto Peres
Gerivald Neiva
Kenarik Boujikian Felippe
Luiza Barros Rozas
Reginaldo Melhado
Encerro
Se há pessoas no Brasil que estão acima da lei, então o estado de direito está morto.
Texto publicado originalmente às 21h08 desta quarta
Por Reinaldo Azevedo