Por
mais que os cachorros loucos estejam querendo briga de rua em vez de
confronto de ideias, prefiro a serenidade que evidencia o fundo falso
das teses dos farsantes. Vamos lá. Luiz Inácio Lula da Silva é um
político ou uma entidade que paira acima do bem e do mal, imune a
qualquer crítica? É alguém que, a exemplo de tantos outros, participa da
disputa pelo poder — e ele é muito bem-sucedido — ou é um demiurgo?
Notem: se eu escrevesse aqui, e eu jamais escreveria, que todas as
análises críticas que se possam fazer de Cristo ou de Paulo, o Apóstolo,
são, de saída, despropositadas e decorrentes da má-fé, certamente
apareceria alguém, e não despido de razão, para acusar meu
obscurantismo. Mesmo para os que temos fé, é preciso admitir, o
contraditório é parte do jogo. Cristo ou São Paulo podem, assim, ser
submetidos ao livre exame. Lula não! Segundo ele mesmo e seus sectários,
existe um “Lula” que está num patamar superior, jamais alcançado por
qualquer ser ou ente — e isso inclui o mundo religioso.
Reivindica-se
para ele, de maneira desabrida, absurda, insana, a condição de
intocável, inimputável, inalcançável por qualquer lei, código ou, por
certo, crítica política. Certo! Digamos que ele fosse apenas um oráculo;
digamos que fosse apenas uma referência e uma fonte permanente a jorrar
sabedoria, temperança, prudência, paz, entendimento, união,
generosidade, inclusão — listem aí todos os substantivos que costumam
acompanhar esses gurus orientais que volta e meia aparecem. Mas Lula é
isso? E noto: eu não estou recomendado que seja, não! Estando, como
está, no gozo pleno de seus direitos políticos, que faça política, ora
essa! Não estou, em suma, sugerindo que ele seja ignorado se ficar
quieto. Isso não é condição que se imponha a ninguém na democracia. Ele,
sim, lembro à margem, sugeriu mais de uma vez que seus adversários
fossem cuidar dos netos. Ele, sim, sugeriu mais de uma vez que tucanos
como FHC ou Serra vivessem um segundo exílio, desta vez dentro do
próprio país.
Lula tem o
direito de fazer política. E, como tal, se expõe ao jogo político,
prática em que, como é sabido, ele próprio é muito hábil há muito tempo.
Que a gritaria para elevá-lo acima de nossa precária humanidade — e
acima até da santidade, já que se admite que até Cristo está sujeito a
controvérsias quanto a suas orientações morais — esteja na boca e na
pena daquela gente financiada por estatais, isso eu compreendo, embora
seja um escândalo em si, já que recursos públicos estão sendo postos a
serviço de uma causa partidária. Que colunistas da grande imprensa, no
entanto, se dediquem ao vexame de cobrar que um político militante, que
pode falar uma linguagem muito virulenta, fique imune à crítica, à
investigação e às leis, bem, aí estamos no terreno do incompreensível;
estamos diante de uma evidência clara de que até o ambiente por
excelência da liberdade de imprensa já se deixou conspurcar. Adiante.
Os “vagabundos”
Lula compareceu à posse do novo presidente do sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Rafael Marques, nesta quarta. Foi lá que aquele que viria a ser presidente da República começou a sua carreira política. O evento serviu como um ato de desagravo ao líder que estaria sendo vítima de uma conspiração das elites e da imprensa — mais uma vez, essa história cretina. Petistas, pcdobistas, cutistas e militantes do MST e da UNE gritaram: “Um, dois, três, é Lula outra vez”. Ou ainda: “Lula é meu amigo; mexeu com ele, mexeu comigo”… Certo!
Lula compareceu à posse do novo presidente do sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Rafael Marques, nesta quarta. Foi lá que aquele que viria a ser presidente da República começou a sua carreira política. O evento serviu como um ato de desagravo ao líder que estaria sendo vítima de uma conspiração das elites e da imprensa — mais uma vez, essa história cretina. Petistas, pcdobistas, cutistas e militantes do MST e da UNE gritaram: “Um, dois, três, é Lula outra vez”. Ou ainda: “Lula é meu amigo; mexeu com ele, mexeu comigo”… Certo!
Antes que
avance, pergunto: o que é “mexer com Lula”? Noticiar que Marcos Valério
deu um depoimento ao Ministério Público e o acusou de beneficiário
pessoal do esquema do mensalão? Noticiar que, segundo o ex-operador da
lambança, ele sempre soube de tudo e até participou da celebração de
alguns acordos? Os “lulistas” deveriam cobrar a traição — ou, como
querem, “a mentira” — de seu ex-amigo; daquele que transitava com tanta
desenvoltura nos bastidores do poder que marcava reuniões com diretores
do Banco Central como quem diz “hoje é quarta-feira”; daquele que
garantia o fluxo de dinheiro para os parlamentares da base aliada. Eles
fizeram acordo com Valério, não seus críticos.
O que é
“mexer com Lula”? Deflagrar a “Operação Porto Seguro”? Bem, os valentes
poderiam ir lá protestar às portas da Polícia Federal, tantas vezes
exaltadas nos 10 anos de governo petista como exemplo de instituição que
funciona. Ou não funcionou desta vez porque chegou perigosamente perto
da “Suprassantidade”? O que é “mexer com Lula”? Noticiar os
desdobramentos dessa operação? Ou, então, a oposição pedir investigação?
Avancemos.
A posse do companheiro sindicalista serviu de pretexto para o ato de
desagravo. E Lula discursou por quarenta minutos. Quem falou? Teria sido
aquela “fonte permanente a jorrar sabedoria, temperança, prudência,
paz, entendimento, união, generosidade, inclusão…”? Claro que não! Pela
simples e óbvia razão de que Lula não é isso. Ele é um político, não o
super-homem.
Aquele mesmo que foi à TV satanizar seus adversários em recente campanha eleitoral voltou a mostrar as garras. Afirmou: “Só
existe uma possibilidade de eles me derrotarem: é trabalhar mais do
que eu. Mas, se ficar um vagabundo em uma sala com ar-condicionado
falando mal de mim, vai perder”.
“Vagabundo
em sala com ar-condicionado”? Pois é… Ar-condicionado existe, por
exemplo, lá no Instituto Lula, onde se organizou boa parte das
indignidades tentadas na CPI do Cachoeira para incriminar a imprensa, a
Procuradoria-Geral e ministros do STF. Ar-condicionado existe lá no
Instituto Lula, onde se montou a, digamos assim, central de inteligência
da campanha de Fernando Haddad à Prefeitura; ar-condicionado existe lá
no Instituto Lula, onde se cuida, depois das denúncias de Valério e do
Rosegate, da “resistência e reação”. Essa oposição de que cuida o
Apedeuta é falsa como nota de R$ 3. Já não existe mais o “Partido do
Paço” contra o “Partido do Passo”, para citar uma oposição de um sermão
de Padre Vieira. Nenhum partido é hoje mais palaciano do que o PT.
Aliás, segundo se apurou no processo do mensalão — com depoimentos de
testemunhas e réus — parte das reuniões que figuram como capítulos do
escândalo foi realizada no Palácio do Planalto. Com ar-condicionado,
sim, senhores. E INDUBITAVELMENTE COM A PRESENÇA DE VAGABUNDOS. Alguns dos vagabundos vão para a cadeia.
A quais
outros “vagabundos” Lula está se referindo? Não creio que esteja a falar
de Marcos Valério, que o acusou, porque a sequência do discurso indica
que se trata de gente que estaria interessada em derrotá-lo
politicamente. Não deve ser à Polícia Federal, que, da mesma sorte, não
parece se encaixar na descrição. Nem mesmo estaria se dirigindo
obliquamente à imprensa, que também não disputa o poder do estado…
Estaria
Lula, num rasgo de insanidade, sendo desaforado com o Procurador-Geral
da República e com os ministros do Supremo que condenaram seus amigos?
Não foi corajoso o bastante para deixar claro qual era o alvo. Preferiu
ser genérico porque, assim, inflama mais a militância e dá mais munição
àquela turma do “pega-pra-capar” da Internet.
Como ele
já afirmou que pretende percorrer o país em 2013 e falou em “me vencer”,
lê-se por aí que anunciou a sua candidatura a alguma coisa. Não tendo
como tirar Dilma da sucessão (embora seja essa a vontade de seus
fanáticos), é evidente que estava alimentando o boato de que pode
disputar o governo de São Paulo. Ora, é claro que pode! Reitero que está
no gozo de seus direitos políticos. Mas por que precisa emprestar a
essa possibilidade o tom de uma ameaça, de “cuidado comigo”?
Narciso
Nunca antes na história destepaiz houve alguém que se amasse tanto. Já especulei aqui que o Lula de verdade deve sentir certo ciúme do Lula da sua própria imaginação. Ele disse mais: “Como eles previam o meu fracasso, eu era o próprio Titanic, mas sem Romeu e Julieta, só eu e o povo. Eles não perceberam a construção que nós fizemos”.
Nunca antes na história destepaiz houve alguém que se amasse tanto. Já especulei aqui que o Lula de verdade deve sentir certo ciúme do Lula da sua própria imaginação. Ele disse mais: “Como eles previam o meu fracasso, eu era o próprio Titanic, mas sem Romeu e Julieta, só eu e o povo. Eles não perceberam a construção que nós fizemos”.
Suponho
que chama de “Romeu e Julieta” o casal amoroso daquele filme do navio
que afunda… O mais espetacular dessa construção é a sua falsidade.
Aconteceu justamente o contrário: procedam a uma pesquisa, e vocês verão
que PSDB e PFL se juntaram no apoio ao então ministro da Fazenda,
Antonio Palocci, nas necessárias medidas de austeridade. Quem tentava
derrubar Palocci, como todo mundo sabe, eram alguns petistas — a começar
de Aloizio Mercadante, que tinha um famoso “Plano B”… Aquilo, sim,
teria sido empurrar o governo e o país para o buraco.
Ocorre que
Lula só consegue cantar as suas próprias glórias se imaginar que há
gente torcendo pelo seu insucesso; não lhe basta obter êxito a favor de
alguém ou de alguma causa; ele precisa, necessariamente, triunfar CONTRA
alguém ou alguma coisa. Não pode, assim, haver temperamento mais avesso
ao daquele suposto líder que está acima das contendas humanas. Em
seu discurso, foi deselegante — e, como sempre, ingrato — até com
aqueles que pavimentaram a sua carreira no sindicato. Também eles, disse
Lula, estariam tentando manipulá-los, mas, deixou claro, ele foi muito
mais esperto.
Lula não é
o primeiro líder na história da humanidade com essas características e
com esse temperamento. Houve outros antes dele. A sorte do Brasil, meus
caros, é que a “virtù” do nosso Príncipe não teve a chance de se casar
com a “Fortuna”; a sorte do Brasil é que a história, o ambiente, as
circunstâncias e a institucionalidade não permitiram a Lula viver
plenamente todas as suas qualidades e vocações, como permitiram a
Hitler, Mussolini, Stálin ou, mais recentemente e como farsa, Chávez.
Este homem
poderia ser, para si mesmo, a evidência de um formidável, de um
estupendo sucesso. Mas intuo que, mesmo depois de tudo, mesmo depois de
ter alcançado na vida o que poucos no mundo puderam ou poderão alcançar,
Lula estará infeliz na hora da “indesejada das gentes” (Manuel
Bandeira), da qual ninguém escapa.
Sabem por
quê? Porque nem mesmo a generosidade ou a bonomia alheias convencem o
fundo da alma de Lula. Porque, e ele deixou isso claro nesta quarta, ele
desconfia das boas intenções até mesmo daqueles que o ajudaram a ser
quem é. Na sua imaginação delirante, autocentrada e autoritária, só
agiram desse modo porque apostavam na sua derrota.
Se Lula
não dormisse lendo até Chico Buarque, como já confessou, eu lhe
recomendaria “Poema em Linha Reta”, de Fernando Pessoa. Para ele, que
nunca se sentiu fraco, que nunca se sentiu um pouco ridículo, que nunca
se sentiu um pouco vil, que nunca se sentiu, em suma, humano, talvez
fizesse bem conhecer humanas precariedades… Mas quê… Ele vai dormir
lendo esse “português do carvalho…”
Lula, no
fim das contas, ainda que admirado por milhões, é mais solitário do que
qualquer um de nós porque jamais conseguirá ser amado o quanto ele
próprio se ama. É único no que imagina ser e no amor que alimenta por
esse ser imaginário.
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