Mauro Pereira:
MAURO PEREIRA
Criticar essa Comissão, presumidamente instituída para resgatar a verdade sobre o período dos governo militares, é perigoso: quem o faz é imediatamente rotulado de direitista, reacionário, filhote da ditadura e outras expressões menos amistosas, algumas impublicáveis. Mas a ira dos revisores do fim do mundo pouco me incomoda. Se há verdade a ser revelada, que seja em sua plenitude. Esta é também a vontade de parte significativa da sociedade brasileira.
Verdade pela metade pode prestar-se à tarefa de escamotear mentira por inteiro.
Sempre esteve próxima de descambar para a irracionalidade a determinação da secretária Maria do Rosário em querer abrir feridas que ainda não foram cicatrizadas. Os fatos acontecidos no período da ditadura, envolvendo militares e guerrilheiros, foram sepultados pela Lei da Anistia e o bom senso sinaliza que eles pertencem ao passado e lá devem continuar. Mais do que exacerbar ódios acumulados, a brutalidade daqueles tempos movidos pela insanidade nos oferece a cada dia a oportunidade extraordinária de superarmos o passado que nos envergonha e estabelecermos as bases do futuro que aspiramos e reafirmarmos diariamente nosso comprometimento com as liberdades individuais.
São indisfarçáveis os sinais de que muitos envolvidos nessa aventura de viés revanchista buscam eternizar-se como revisores dos anos de chumbo. Se os comissionados realmente pretendem reconciliar-se com o passado, que pugnem, então, pela revogação da Lei da Anistia e pratiquem o exercício da verdade ampla, geral e irrestrita, arrastando para as barras dos tribunais todos os envolvidos. Os crimes praticados pelos agentes da ditadura não podem servir de subterfúgio para justificar os crimes perpetrados pela guerrilha. Ambos os lados trucidaram civis inocentes. A bala de farda e coturno foi tão covarde e devastadora quanto a bala de boina e charuto.
Qual verdade essa comissão persegue? Com certeza não é aquela que revela a sanha sanguinária e assassina de esquerdopatas do calibre dos camaradas inclementes, por exemplo, que em nome da causa não se esquivaram de assassinar sumariamente os próprios companheiros de luta. A esses (salvo as exceções que a regra impõe), por acaso a verdade teria sido restabelecida quando o governo lhes pagou o soldo milionário traduzido em indenizações que, se fundeadas na legalidade, afundam na imoralidade?
A nobreza ensejada vulgariza-se no codinome “Bolsa-Ditadura” que a identifica e dissipa-se ante o dinheiro recebido, maculado pela miséria que flagela o dia-a-dia de grande parte da população. “Quer dizer que aquilo não era ideologia, era investimento?”, perguntou Millôr Fernandes. Ainda na esteira da incerteza, cabe outra indagação: se a guerrilha tivesse apeado os militares do poder, qual destino seria dado a figuras proeminentes da época como, por exemplo, José Sarney, Paulo Maluf e Delfin Netto? Presumo que não estariam hoje a prestar serviços ao governo petista.
Muitos milhões de reais têm sido queimados nessa farra revisionista. Se a secretária Maria do Rosário está realmente decidida a fazer justiça, que a faça agora denunciando a realidade atroz que ainda flagela incontáveis brasileiros, e que o governo insiste em capitalizar eleitoralmente. Maria do Rosário aplicaria melhor seu tempo defendendo os direitos dos aposentados, dos sem-justiça, dos sem-moradia, dos sem-saúde, dos sem-educação, dos sem-segurança, dos sem-comida, dos sem-água potável, dos sem-futuro. Ou eles não são humanos?
Enfim, entre militar fardado e civil ávido pelo exercício do poder devidamente fardado, eu fico com o Brasil livre. De ambos.
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