Por
Cristovam Buarque
O presidente do STF
teceu duras críticas aos representantes do povo e o povo aplaudiu, não viu como
uma ameaça às instituições democráticas, ao contrário, ampliou sua admiração
pelo ministro Joaquim Barbosa. A razão é simples: ele mostrou indignação,
exatamente o que sempre tem faltado na política brasileira.
A reforma política
que o Brasil precisa só ocorrerá quando os brasileiros sentirem indignação com
os “partidos de mentirinha” e demais deficiências do nosso sistema político
apontadas pelo ministro Barbosa.
Por séculos
convivemos sem indignação com o absurdo da escravidão, inclusive de
antepassados do ministro. A ideia da abolição só começou a se espalhar quando
seus defensores passaram ao povo o sentimento de indignação moral contra a
escravidão. Enquanto os argumentos eram econômicos — “o trabalho livre é mais
inteligente e produtivo” — ou ideológicos (“a escravidão não é condizente com o
espírito da época”), a abolição não era entendida, nem sentida, não indignava.
Quando o discurso passou a ser ético, apresentando a escravidão como uma vergonha
nacional, o assunto passou a crescer, até prevalecer.
Na Inglaterra, o
grande abolicionista William Wilberforce reconheceu que a ideia da abolição só
cresceu quando ele e seus companheiros de luta saíram do discurso lógico e
provocaram indignação popular contra a escravidão. A abolição foi o resultado
da força moral que surgiu da indignação.
Assim também não
adiantam apenas argumentos lógicos para justificar a necessidade da abolição do
analfabetismo — a escravidão do século XXI; é preciso que os brasileiros sintam
indignação com o fato de que para abolir o analfabetismo só precisamos de R$
1,6 bilhão ao ano, por apenas quatro anos, de uma renda nacional de R$ 4,5
trilhões, empregando por dez horas semanais apenas 125 mil dos atuais 1,6
milhão de universitários que estudam com financiamento público.
Só agiremos quando
sentirmos vergonha por não podermos colocar, em 2014, em frente de cada
aeroporto, uma placa dizendo: “Você está entrando em um território livre do
analfabetismo.” Da mesma forma, não basta dizer e mostrar que o Brasil não tem
futuro, na economia ou na sociedade, se não colocarmos todas nossas crianças em
escolas com a mesma máxima qualidade. É preciso indignar-se com a falta de
qualidade e com a desigualdade da educação. Os argumentos lógicos fracassaram,
é a vergonha de não despertar o espírito nacional para resolver o problema.
Houve um tempo em
que precisávamos de consciência, agora precisamos de raiva e vergonha. Por
isso, o presidente do STF é capaz de enfraquecer a independência dos Três
Poderes ao denunciar os partidos, os congressistas e, portanto, o Congresso
Nacional, e mesmo assim ser aplaudido. Mesmo sendo verdadeiras as declarações,
os aplausos não se justificariam do ponto de vista lógico das instituições
democráticas, mas se explicam moralmente: o povo está com sede de indignação.
Cristovam Buarque é senador (PDT-DF). Originalmente publicado em O Globo de 1º de Junho de 2013.
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