Afinal, muito do
que ele renegou no passado e criticou no governo do PSDB passou a ser o
pão nosso de cada dia da atual administração. A começar pelos leilões de
concessão para os aeroportos e para a remodelação de umas poucas
estradas.
No início procuravam mostrar as diferenças entre “nós” e “eles”, em
seu habitual maniqueísmo. “Nossos leilões”, diziam, visam a obter a
menor tarifa para os pedágios. Ou, então, afirmavam: nossos leilões
mantêm a Infraero na administração dos aeroportos. Dessas “inovações”
resultou que as empresas vencedoras nem sempre foram as melhores ou não
fizeram as obras prometidas. Pouco a pouco estão sendo obrigados a
voltar à racionalidade, como terão de fazer no caso dos leilões para a
construção de estradas de ferro, cuja proposta inicial assustou muita
gente, principalmente os contribuintes. Neles se troca a vantagem de a
privatização desonerar o Tesouro pela obsessão “generosa” de atrair
investimentos privados com o pagamento antecipado pelo governo da carga a
ser transportada no futuro…
Ainda que renitente em rever acusações feitas no passado (alguns
insistem em repeti-las), a morosidade no avanço das obras de
infraestrutura acabará por levar o governo petista a deixar de tentar
descobrir a pólvora. Já perdemos anos e anos por miopia ideológica. O PT
não conseguiu ver que os governos do PSDB simplesmente ajustaram a
máquina pública e as políticas econômicas à realidade contemporânea, que
é a da economia globalizada. Tomaram a nuvem por Juno e atacaram a
modernização que fizemos como se fosse motivada por ideologias
neoliberais, e não pela necessidade de engajar o Brasil no mundo da
internet e das redes, das cadeias produtivas globais e de uma relação
renovada entre os recursos estatais e o capital privado.
Sem coragem para fazer autocrítica, o petismo foi pouco a pouco
assumindo o programa do PSDB e agora os críticos do mais variado
espectro cobram deste o suposto fato de não ter propostas para o Brasil…
Entretanto, a versão modernizadora do PT é “envergonhada”. Fazem mal
feito, como quem não está gostando, o que o PSDB fez e faria bem feito,
se estivesse no comando.
Agora chegou a vez dos portos. Alberto Tamer – e presto homenagem a
quem faleceu deixando um legado de lucidez em suas colunas semanais –,
na última crônica que fez no jornal O Estado de S. Paulo, Foi FHC que abriu os portos
(17/2), recordava o esforço, ainda no governo Itamar Franco, quando
Alberto Goldman era ministro dos Transportes, para dinamizar a
administração portuária, abrindo-a à cooperação com o setor privado,
pela Lei 8.630, de 1993. Caro custou tornar viável aquela primeira
abertura quando eu assumi a Presidência. Foi graças aos esforços do
contra-almirante José Ribamar Miranda Dias, com o Programa Integrado de
Modernização Portuária, que se conseguiu avançar.
Chegou a hora para novos passos adiante, até porque o Decreto 6.620
do governo Lula aumentou a confusão na matéria, determinando que os
terminais privados só embarcassem “carga própria”. Modernizar é o que
está tentando fazer com atraso o governo Dilma Rousseff. Mas aos trancos
e barrancos, sem negociar direito com as partes interessadas,
trabalhadores e investidores, sem criar boas regras de controle público
nem assumir claramente que está privatizando para aumentar a eficiência e
diminuir as barreiras burocráticas. Corre-se o risco de repetir o que
já está ocorrendo nos aeroportos e estradas: atrasos, obras mal feitas e
mais caras, etc. No futuro ainda dirão que a culpa foi “da
privatização”… Isso sem falar do triste episódio das votações confusas,
tisnadas de suspeição, e de resultado final incerto no caso da última
Lei dos Portos.
A demora em perceber que o Brasil estava e está desafiado a dar
saltos para acompanhar o ritmo das transformações globais tem sido um
empecilho monumental para as administrações petistas. No caso do
petróleo, foram cinco anos de paralisação dos leilões. Quanto à energia
em geral, a súbita sacralização do pré-sal (e, correspondentemente, a
transformação da Petrobrás em executora geral dos projetos) levou ao
descaso no apoio à energia renovável, de biomassa (como o etanol da
cana-de-açúcar) e eólica. Mais ainda, não houve preocupação alguma com
programas de poupança no uso da energia. Enfim, parecem ter assumido
que, já que temos um mar de petróleo no pré-sal, para que olhar para
alternativas?
Acontece, entretanto, que a economia norte-americana parece estar
saindo da crise iniciada em 2007-2008 com uma revolução tecnológica (de
discutíveis efeitos ambientais, é certo) que barateará o custo da
extração dos hidrocarburetos e colocará novos desafios ao Brasil. A
incapacidade de visão estratégica, derivada da mesma nuvem ideológica a
que me referi, acrescida de um ufanismo mal colocado, dificulta
redefinir rumos e atacar com precisão os gargalos que atam nossas
potencialidades econômicas ao passado.
Não é diferente do que ocorre com a indústria manufatureira, quando,
em vez de perceber que a questão é reengajar nossa produção nas cadeias
produtivas globais e fazer as reformas que permitam isso, se faz uma
política de benefícios esporádicos, ora diminuindo impostos para alguns
setores, ora dando subsídios ocultos a outros, quando não culpando o
desalinhamento da taxa de câmbio ou os juros altos (os quais tiveram sua
dose de culpa) pela falta de competitividade de nossos produtos.
As dificuldades crescentes do governo em ver mais longe e administrar
corretamente o dia a dia para ajustar a economia à nova fase do
desenvolvimento capitalista global (como o PSDB fez na década de 1990)
indicam que é tarde para beijar a cruz, até porque o petismo não parece
arrependido. Melhor mudar os oficiantes nas eleições de 2014.
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