Quando veio a lume a compra de votos para
obter maioria no Congresso Nacional para o primeiro governo petista de Luiz
Inácio Lula da Silva, a primeira reação do ex-presidente foi dizer-se traído e
apunhalado pelas costas por maus companheiros. E assumiu, como de hábito em sua
vida, a postura do macaquinho que não ouve, não vê e não fala. Hoje se sabe que
chegou a cogitar de renunciar e que teria sido dissuadido por seu
lugar-tenente, o factótum José Dirceu, então chefe da Casa Civil, logo
transformado em principal alvo do delator Roberto Jefferson. Este, especialista
em salas, salões e corredores palacianos, preferiu evitar o confronto com o
chefão. A oposição imaginou que, em vez de lutar por um improvável impeachment
do presidente com maioria no Congresso, deveria deixá-lo sangrar até a eleição,
quando lhe seria dado o golpe de misericórdia. Dirceu estava certo: Lula deu a
volta por cima, venceu o tucano Geraldo Alckmin e, reforçado pela mística de
invencível nas urnas, adotou a filustria do caixa 2.
Depois de oito anos no poder, na crista de
uma onda de quase 80% de aprovação popular, o padim Ciço de Caetés deu-se ao
luxo de impor uma candidata egressa do Partido Democrático Trabalhista (PDT),
Dilma Rousseff, que entrara no lugar de Dirceu no posto de “capitão do time”.
E, mais uma vez, consagrou-se nas urnas. Com sua empáfia característica, Lula,
então, apostou seu cacife político na falácia de que o escândalo, apelidado de
mensalão, foi uma fantasia da oposição despeitada, divulgada pelo Partido da
Imprensa Golpista (PIG, porco em inglês), fantasma que na internet assombra o
País nas mensagens dos “blogueiros progressistas”. A explicação para o que
havia sido revelado pelos fatos notórios seria um “crime menor”, o caixa 2 de
campanha. Para evitar que a realidade fosse revelada antes das eleições
municipais, o próprio ex-presidente empreendeu uma cruzada tentando convencer
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) da necessidade de adiarem o
julgamento, para não interferir na decisão do eleitor.
A ignorância inflou a empáfia e o
ex-dirigente sindical viu a realidade desautorizar seu otimismo, baseado na
evidência de que 8 dos 11 julgadores máximos foram alçados ao topo de sua
carreira por presidentes correligionários dos réus mais importantes do
processo, ele próprio e sua afilhada Dilma. Só que, ao contrário da Petrobrás e
do Banco do Brasil, o STF não foi aparelhado pelo Partido dos Trabalhadores
(PT) no poder. Nem poderia sê-lo, de vez que o Poder Judiciário é autônomo e
entre os deveres dos membros de sua cúpula não consta a obediência ou a
gratidão para amparar os interesses e a impunidade de um partido ou político
que os haja nomeado para o lugar.
A vaga no STF é vitalícia e presidente nenhum
de partido nenhum, com a maioria com que contar no Congresso, tem o poder de
demitir um ministro do Supremo, ainda mais a pretexto de assegurar a absolvição
de delinquentes. A condenação, por formação de quadrilha, do ex-chefe da Casa
Civil José Dirceu, do ex-presidente nacional petista José Genoino e do
tesoureiro Delúbio Soares, que sempre gozou de acesso privilegiado ao gabinete
e ao coração do chefão, deixou claro que o Estado Democrático de Direito
funciona no Brasil. E quem o conquistou na base de sangue, suor e lágrimas não
se dispõe a liquidá-lo só para agradar a um líder adorado pelas massas e
bajulado pelos parasitas que se refestelam à sombra e água fresca do poder.
Imune à condenação do STF, Lula agora sai a
campo para usar o sufrágio popular como uma espécie de instância máxima, acima
e além da Justiça, dando aos resultados nas urnas poderes, que não tem, de
julgar o julgamento… e os julgadores. O raciocínio, de um simplismo absurdo,
resulta da mistura de ignorância e esperteza que levou o Macunaíma da política
brasileira ao auge da fortuna e da glória, mas que não absolveu nenhum réu nem
ajudará nossa democracia a amadurecer.
Ao dizer a Cristina Kirchner que foi julgado
pela população ao se reeleger, o Pedro Malasartes da gestão pública nacional
deu seu poderoso aval à conclamação do principal réu do mensalão ao reagir ao
resultado da eleição municipal em São Paulo, pregando: “A prioridade agora é
ganhar o segundo turno”. A cúpula do PT tentou adiar o julgamento e passou a
campanha eleitoral inteira insistindo na tecla óbvia de que seu resultado não
influiria na decisão do eleitor. O presidente nacional, Rui Falcão, disse que o
povo estava ligado mesmo no novelão das 9, Avenida Brasil. Lula aproveitou para
tirar um sarro dos palmeirenses, inimigos figadais de seu Corinthians e agora
candidatos ao rebaixamento no Brasileirão. Gilberto Carvalho, homem de
confiança do ex no gabinete da atual, disse que recorrer ao mensalão é dar um
tiro no pé.
Hoje, com a visão utilitária de sindicalista
cuidando do cofre da viúva, a cúpula petista tenta convencer a Nação a interpretar
o veredicto das urnas em São Paulo como a vingança do mensalão. Mas qual o
dispositivo constitucional que dá esse poder ao paulistano? Por que não adotar
o mesmo critério em relação ao cidadão que votou no Recife, em Porto Alegre ou
Belo Horizonte e derrotou os queridinhos de Lula e Dilma ainda no primeiro
turno? O absurdo do raciocínio é tal que negá-lo parece desnecessário. Mas não
é. Pois a democracia é imperfeita, como toda obra humana, mas essa imperfeição
se reduz pelo equilíbrio de Poderes autônomos. O cidadão elege seus
representantes para legislarem no Congresso e governantes para escolherem
prioridades do interesse geral na gestão do dinheiro público arrecadado pelo
Estado. Cabe ao Judiciário zelar pelo cumprimento da ordem jurídica e punir quem
delinquir.
Essa democracia petista do venha a nós, ao
vosso reino nada, não convém ao povo brasileiro, pois, ao confundir Jesus
Cristo com Zé Buchudo (alhos com bugalhos) e tirar de sob o martelo do juiz a
sardinha da punição, queima a mão de quem vota para beijar a mão de quem furta.
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