13/04/2012
Dilma acaba de descobrir que ‘a casa própia’, entre outros espantos, ‘mostra a nossa capacidade de viver e de morrer’
Enquanto os flagelados da Região Serrana do Rio tentam descobrir que fim levaram as 6 mil casas prometidas em janeiro de 2011, Dilma Rousseff inaugura um conjunto habitacional por discurso. Nesta quinta-feira, achou que também deveria explicar à plateia o que é uma casa. Conseguiu superar-se ─ e inspirou mais um texto inesquecível de Celso Arnaldo. (AN)
CELSO ARNALDO ARAÚJO
A Casa do Espanto de Dilma não é um lugar para as pessoas morarem, como qualquer casa. Ela reúne relações, é um centro comunitário de acolhimento universal e mostra nossa incrível capacidade de morrer. E ainda perguntam por que o Minha Casa, Minha Vida não sai do chão
Primeiro, era um milhão. Depois dois, que logo viraram três. E, há algumas semanas, Dilma acordou com vontade de fazer mais 400 mil – que se somarão, como um bônus mágico, aos três milhões, dentro de seus primeiros quatro anos de governo. No segundo mandato, até as casas dos botões de seus terninhos serão adicionadas à meta do MC, MV.
Mas um volume desses de casa própria não é promessa que se possa ir disfarçando com uma inauguraçãozinha aqui, uma cerimoniazinha ali – como a das seis mil creches que abrigarão até os netos de Eike Batista ou das 101 mil bolsas de estudos internacionais concedidas a jovens gênios do Brasil Maravilha. Casa existe ou não. Ou tem quatro paredes e um teto, foi escriturada e tem fechadura na porta ou não é casa. E, realisticamente, sem juízo de valor ou denúncia vazia, qualquer especialista brasileiro em sistema habitacional sabe que a meta das 3.400.000 casas até o fim do primeiro mandato de Dilma é pura fantasia – talvez 20% disso, se tanto, recebam moradores até o fim de 2014.
Mas o Minha Casa, Minha Vida, agora com o número 2 acoplado ao nome pomposo, talvez para transmitir a ideia de que a etapa 1 (2 milhões de unidades) já foi concluída, é indiscutivelmente a menina dos olhos de Dilma. Talvez seja por isso que, não havendo casas com tijolos, janelas, vasos sanitários, pias, torneiras e lâmpadas em número suficiente para legitimar o programa e suas metas, há mais de dois anos Dilma dedica um esforço comovente a tentar explicar a “filosofia” por trás da casa própria. A casa própria como entidade. Não três milhões de casa, mas uma única casa – mítica, mágica, sobre-humana.
Para as pessoas que nela morarão, ou morariam, não há nenhum mistério: morar em casa é melhor do que morar na rua; morar em casa própria é melhor do que pagar aluguel ou morar de favor; enfim, ter uma casa é melhor do que não ter. Não é preciso ir além disso para convencer as pessoas de que é bom ter casa própria. Aliás, nessa questão, não é preciso convencer as pessoas de coisa alguma – basta facilitar-lhes o acesso à casa.
CONCEITOS PRIMITIVOS
É Dilma quem não está convencida disso. Desde a campanha, ela se desdobra para tentar explicar a importância existencial da casa própria que ainda não existe para os candidatos ao programa. Porém, incapaz de explicar a uma criança de cinco anos o significado do Natal, a cada tentativa a casa própria de Dilma fica mais vazia. Como construção formal de ideias, um casebre inabitável. Como ideia em si, um conjunto de impropriedades – perdoem o trocadilho voluntário — que geram dúvidas cada vez mais dramáticas sobre a real formação educacional da presidente e sua capacidade de governar.
E o já célebre discurso da casa própria, que até seus auxiliares devem temer, piora a cada dia – imagino que, até a entrega da casa de número 3.400.000, será preciso tirar as crianças da sala e deixá-las na rua.
Mas o de hoje é insuperável — pelo menos até o próximo. Não foi num canteiro de obras, para futuros moradores – o que, em tese, poderia justificar a fala paupérrima. Mas num auditório em Brasília, presentes inúmeras autoridades: mais um anúncio de expansão do programa. O almoxarifado do Palácio não está dando conta dos pedidos de papel-ofício.
Como suposto e calejado especialista em dilmês, confesso que poucas coisas ainda me surpreendem na fala de Dilma e em seu repertório de meia dúzia de conceitos primitivos sobre as coisas. Mas desta vez a casa caiu. Ouçam, por favor, o pensamento inicial, que vai de 0:10 a 0:56 – esqueça o resto. Não há palavras para descrevê-lo – da mesma forma que Dilma não as teve para fazê-lo:
“Eu acredito que a questão da casa própia (sic) é uma questão muito importante na vida das pessoas. Ela reúne a relação que nós temos com os nossos filhos, com a nossa família e com os nossos amigos. Então ela é um espaço onde a gente constrói o lar e a proteção. E ao mesmo tempo ela mostra a nossa capacidade de viver e de morrer. Mostra aonde (sic) as famílias acolhem as crianças, os adultos e os idosos”.
É o caso de perguntar: seria exagero incluir esse parágrafo naquelas antologias de pérolas do ENEM ou do vestibular que circulam na internet? Seria exagero concluir que a presidente Dilma não tem a mais remota noção do que está falando?
A casa própia (não) de Dilma reúne, para usar sua própria (sim) linguagem, arrepios que não foram sentidos nem em Elm Street. O ponto mais assustador dessa falação sem nexo é nos mostrar que, dentro da casa, somos mortais. Quererá isso dizer, por linhas tortíssimas, que muitos inscritos no Minha Casa, Minha Vida morrerão antes de poder viver nela?
Por: Celso Arnaldo Araújo
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