Inexiste no mundo um modelo político que seja absolutamente imune à ação dos corruptos. Ao contrário do que pode supor o senso comum, o melhor remédio contra a corrupção ainda é a democracia. As ditaduras não só se caracterizam por ser notavelmente corruptas como transformam seus vícios em virtudes. Os leitores certamente andam um tanto enfarados com a política no Brasil. Não sem razão. De fato, nunca se assistiu a tal estado de coisas. Se é assim, a nossa democracia é, então, mais corrupta do que foi a ditadura militar, por exemplo? Certamente! Estaria eu me contradizendo. Só aparentemente.
Se quisermos romper o ciclo infernal em que se meteu a política brasileira, será preciso radicalizar a democracia — no caso, a democracia representativa. O Brasil está se transformando na República dos ladrões em razão do nosso déficit democrático. Por isso mesmo, é preciso que nos mobilizemos — sim, leitor, eu, você, todos aqueles com quem falarmos e que estejam em nosso radar — para ir à raiz da questão. O Brasil precisa fazer uma reforma política — e sei que não é fácil — para instituir no país o voto distrital. A corrupção só existe, é claro, porque existem os corruptos. Eles estão em todo canto. Mas há modelos que são mais e há modelos que são menos amigáveis com os canalhas. Esse que está em vigência no Brasil é a verdadeira Disneylândia dos safados, dos aproveitadores, dos batedores de carteira, dos assaltantes do dinheiro público. E a ascensão do PT ao poder só extremou o que já havia de pior no Brasil. Explico.
O presidencialismo brasileiro depende em larga medida do Congresso. Um presidente da República, ainda que tenha um poder enorme, certamente fará um governo pífio se tiver uma maioria congressual que lhe faça oposição. Por isso se formam as coligações antes das eleições e os acordos depois. A farra partidária brasileira sempre leva o eleito de turno às compras. Como o estado brasileiro detém uma máquina gigantesca, faz-se a já conhecida distribuição indecorosa de cargos, e a gestão da coisa pública acaba se confundindo com a mera ocupação de espaços no aparelho estatal. Já não é um espetáculo bonito de se ver, mas isso ainda não caracteriza o lupanar em que se transformou a vida pública brasileira. Afinal, governar com aliados é mesmo do jogo. Noto à margem que, se o estado brasileiro fosse menor, diminuiria o número de canalhas. Este é diretamente proporcional ao tamanho daquele. Mas mesmo esse presidencialismo que se convencionou chamar de coalizão pode ser exercido com padrões morais mais elevados do que isso que temos visto. É preciso mudar — e temos de nos mobilizar para isso, ainda que a luta seja longa — o sistema de representação.
Pensemos um pouco. Boa parte dos males da política brasileira deriva do fato de que os cidadãos não têm o menor controle do Congresso, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores. Conte até cinco e diga em quem você votou nas eleições passadas para esses cargos. Quase ninguém lembra. O sistema proporcional, atualmente em vigor — que manda para as casas legislativas os candidatos mais votados depois de definido o quociente eleitoral dos partidos —, é um modelo parido pelo capeta. Parece especialmente pensado para alijar a população da política.
Seu pior e mais escandaloso defeito é transformar a Câmara Federal, as Assembléias e as Câmaras dos Vereadores num circo que reúne, com as exceções de sempre, lobistas dos mais variados tipos: de empresas, de sindicatos, de categorias profissionais, de igrejas e, nos últimos tempos, das ditas “minorias”. Esses parlamentares deixam de representar a população — a quem não precisam prestar contas — e passam a atuar como representantes do lobby que os elegeu. É o sistema perfeito para criar os candidatos das máquinas milionárias — especialmente as de caráter sindical (do trabalho ou do capital, pouco importa) — e as celebridades da hora (Tiriricas, Romários e Popós…).
Num modelo em que os partidos tivessem de indicar nomes para disputar o voto em distritos, os candidatos teriam de falar com o conjunto da população de uma área limitada — que será, necessariamente, mais plural do que o público de um sindicato, de uma categoria profissional ou de uma “minoria”. Os candidatos a deputado federal, a deputado estadual e a vereador seriam obrigados, no modelo distrital, a prestar contas à comunidade na qual têm sua base eleitoral: é lá que disputam uma espécie de eleição majoritária com nomes indicados por outros partidos. O eleito do “Distrito X” vai representar o conjunto das pessoas do seu distrito — homens, mulheres, trabalhadores, empresários, estudantes, héteros, gays, católicos, evangélicos… As casas legislativas deixariam de ser esse triste amontoado de corporações de ofício que vemos hoje.
A batalha pelo voto distrital é difícil, sei disso. Afinal, ele teria de ser instituído, num ambiente de reforma política, com os votos daqueles que são beneficiários do modelo em vigor. A dificuldade é grande! Mas temos de insistir nessa idéia para 2012, 2014, 2018, quando der. Uma coisa é certa: sem a pressão da sociedade, isso não vai acontecer. O PT, por exemplo, não só rejeita o voto distrital como defende o voto em lista fechada. Eleitores votariam no partido. Definido o número de cadeiras, assumem as vagas os definidos previamente. Vale dizer: o PT quer aumentar o nosso déficit democrático.
Não sou ingênuo — não muito ao menos. Um peemedebista da turma de Sarney ou Temer será sempre o que é, pouco importa se eleito pelo sistema proporcional ou distrital. A questão é outra: em que modelo o seu trabalho pode ser acompanhado mais de perto?; em que modelo ele pode ser mais cobrado?; em que modelo a sua má conduta tem mais chances de ser punida? Larápios que representam corporações e lobbies tendem a ser eleitos pelos seus pares, ainda que, com freqüência, atentem contra os interesses do conjunto da população. Precisamos de deputados que não sejam “do setor de ensino”, “do sistema financeiro”, “dos metalúrgicos”, “dos bancários”, “dos sem-isso-e-sem-aquilo”; precisamos, em suma, de representantes do povo que representem o povo, não uma corporação de ofício. O custo de campanha, como efeito colateral, cairia enormemente. Afinal, o candidato não teria de ficar amealhando votos numa área territorial imensa.
Há um grupo de pessoas empenhadas em levar adiante essa batalha. Visite o site www.euvotodistrital.org.br. Reitero: não se trata de uma tese salvacionista; não estamos diante “da” resposta para todos os males. Trata-se apenas de uma mudança saudável, que ampliaria a democracia. O movimento quer colher um milhão de assinaturas para que se tenha tempo de votar uma emenda que institua o voto distrital já nas eleições municipais de 2012. Falta muita coisa. Até agora, há 22 mil assinaturas. Vai dar? Não sei. Qualquer mudança tem de ser votada até outubro. Se não for possível para 2012, que se tente para 2014 ou para depois.
Pudéssemos mudar a consciência de todos os homens e direcioná-los sempre para o bem, não precisaríamos de voto distrital ou proporcional. Nem mesmo precisaríamos de votos ou eleições. Estivessem todos imbuídos do bem comum, pronto! Seria a paz perpétua. Infelizmente, as coisas não se dão assim em sociedade. É preciso criar mecanismos e instituições que dificultem o trabalho dos maus e dêem relevo à obra dos bons.
Eu os convido a entrar na campanha em favor do voto distrital. Não vamos melhorar a democracia brasileira se não melhorarmos a qualidade da representação. Essa é uma boa luta!