terça-feira, 19 de fevereiro de 2013
Lula não tem direito ao silêncio
Por:
Se as eleições para presidente fossem hoje, Lula venceria. É o candidato mais citado em pesquisa realizada pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT). Tem 69,8% das preferências, contra 11,9% de Aécio Neves. Com Dilma em vez de Lula como candidata do PT, Dilma teria 59% contra 14,8% de Aécio. Lula é imbatível em 2014. Dilma, numa situação em que Lula esteja enfraquecido, tostado, talvez não.
É disso que trata o bafafá sobre a Operação Porto Seguro. Começou fofoca. Dona Marisa detesta Rosemary. Rosemary viajou 23 vezes para o exterior na comitiva oficial do ex-presidente. Tinha acesso direto a Lula, e o usava para descolar altos cargos para os amigos. Logo foi dito em português claro: Rose e Lula foram amantes muitos anos. E abriu-se uma nova temporada de caça ao Lula. Disparada, olhe só, pela Polícia Federal, cuja chefe máxima é... Dilma.
Será assunto para meses. Talvez caso pra CPI. As perguntas que precisam ser respondidas: houve corrupção ou tráfico de influência? Quem corrompeu, quem foi corrompido? Cadê o dinheiro? Rosemary usou sua influência junto a Lula? E, por fim, Lula se beneficiou da corrupção ou cometeu algum crime?
É motivo para revirar a vida pessoal do ex-presidente, como se fosse uma lata de lixo? Sem dúvida. E Lula deve tomar a iniciativa e se explicar. Quem vive de dinheiro público não tem direito de dizer que não fala deste ou aquele assunto. Vida particular de funcionário público sob suspeita é pública. Vale pra Rose. Vale pra Lula.
Homens públicos, assim como médicos e motoristas de táxi, traem suas mulheres, e por elas são traídos. Adultério não é crime. Se for, que comece o julgamento de Fernando Henrique, que fala sobre o caso Rose como se não tivesse traído Ruth Cardoso.
Bill Clinton quase foi derrubado pelos republicanos, por desfrutar de sexo oral no salão oval da Casa Branca. A oposição fez o que pode para derrubar Clinton, usando seu affair.
Foi enxovalhado na televisão, se humilhou, implorou desculpas etc. Sobreviveu por pouco, sabe-se lá com que custo para sua mulher e filha. Teve sua imagem abalada para sempre. É casado, como Lula e FHC. A diferença fundamental é que curtir minutinhos de prazer com miss Lewinsky não afetou em nada a economia, segurança, ética, ou que quer que seja dos EUA.
O ataque a Clinton foi eleitoreiro e moralista. É a mesma situação do Brasil? Não. A amante de FHC era funcionária da TV Globo.
A amante de Lula era funcionária pública, por indicação de Lula, não uma estagiariazinha. E pelo perfume - especialmente a história da tal ilha do Gilberto Miranda - havia muito dinheiro passando perto de Rose, bilhões.
Esse é sempre o assunto: dinheiro. Nosso ex-presidente gera ódio em alguns grupos, mas a rinha não é emocional. É disputa pelo poder, pela chave do cofre. Tentaram de todo jeito liquidar Lula, antes da sua primeira eleição e durante os seus oito anos de mandato. Saiu popularíssimo, elegeu sucessora, e agora o prefeito de São Paulo, ambos tirados da mágica manga de sua casaca.
Lula saiu incólume do julgamento do mensalão. Parece impossível que não soubesse do que seus braços direitos no governo e no PT faziam.
Bem, o que Dirceu e companhia efetivamente fizeram? As provas não deixem muito claro o quê, e muita gente séria ache que não se provou coisa nenhuma. O julgamento foi político? Natural, e é claro que algo de malcheiroso aconteceu. Mas crucificar José Dirceu como maior vilão da história da nação é tão ridículo como inocentá-lo. É ignorar ditadores, torturadores, Malufs e Sarneys, todos soltos e sossegados. E como vão as investigações sobre as privatizações tucanas, o mensalão mineiro, o metrô paulistano? Não vão.
A cobertura do julgamento atrapalhou. A história foi contada em termos de Fla-Flu, juízes pró e contra o PT. Magistrados viraram astros, e passaram a se portar como tais, para as câmeras. Distribuíram penas pesadíssimas, em País onde os líderes do crime organizado têm penas leves, que cumprem ordenando massacres de policiais, via celular. Só Lula, que indicou boa parte dos juízes do STF, foi poupado. A pressão continua. É o Rosegate, é Marcos Valério.
A satisfação de alguns astros da mídia é indisfarçável, pimpões como pintos na lama. Não conseguimos pegar Lula no mensalão, festejam, vamos pegar com essa Rose. Se não der, pelo menos fazemos ele sofrer um pouco, envergonhando sua esposa e filhos com a exposição de sua traição. E vamos dar o máximo de exposição às novas acusações de Marcos Valério. Pressionar por investigações, e dar munição para a oposição. E se nada colar, bem, quem sabe o câncer volta?
Não há nada de orgânico na nova direita midiática. É resultado de articulação explícita de setores conservadores, principalmente do setor financeiro. Dez anos atrás, não haviam direitistas assumidos no País, muito menos na imprensa. Todo mundo e qualquer um se dizia de esquerda. Hoje pululam. Ser antipetista se tornou lucrativo, graças a um azeitado circuito de seminários, palestras e colunas, tudo muito bem remunerado. De lá é direto para a lista dos livros mais vendidos. Para ser chamado ao banquete, é preciso ter nome; ocupar espaço na imprensa e academia.
É válido. O campo oposto também soube seduzir seus evangelistas, muitos acolhidos no poder, outros vivendo de mesada. Infelizmente, uma das exigências para a fama, no ambiente midiático de 2012, é o histrionismo. Trata-se de garantir que o mundo em preto e branco e cuspir certezas e bordões. Com isso, deixamos o campo do jornalismo e da opinião, e igualam-se em irrelevância os campeões dos dois lados.
Um lado então grita que é o maior escândalo desde Sodoma e Gomorra. E o outro garante que é mais uma tentativa de golpe midiático-tucano. Propaganda enganosa. Há uma tentativa de inviabilizar uma nova candidatura de Lula, e abrir pelo menos a possibilidade do PSDB levar a presidência em 2014? Sim. Lula nos deve explicações? Sim também.
Nem toda defesa de Lula é sectária. Nem toda acusação contra Lula é golpismo. Vamos fundo nas investigações de aprontadas tucanas e outras? Por favor. Mas vamos reconhecer que há jornalismo de fato, e evidências de fato contra Rose, os irmãos Vieira e companhia. Eles têm de falar. Assim como Cachoeira, e Valério. No Congresso, com transmissão ao vivo. E Lula também. Ele colocou a amante em cargo público. Ela aprontou. Lula tem direito ao respeito, como disse esta semana Dilma em Paris. E à crítica, pelo que ficou nos devendo. Mas não tem direito ao silêncio.
Se as eleições para presidente fossem hoje, Lula venceria. É o candidato mais citado em pesquisa realizada pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT). Tem 69,8% das preferências, contra 11,9% de Aécio Neves. Com Dilma em vez de Lula como candidata do PT, Dilma teria 59% contra 14,8% de Aécio. Lula é imbatível em 2014. Dilma, numa situação em que Lula esteja enfraquecido, tostado, talvez não.
É disso que trata o bafafá sobre a Operação Porto Seguro. Começou fofoca. Dona Marisa detesta Rosemary. Rosemary viajou 23 vezes para o exterior na comitiva oficial do ex-presidente. Tinha acesso direto a Lula, e o usava para descolar altos cargos para os amigos. Logo foi dito em português claro: Rose e Lula foram amantes muitos anos. E abriu-se uma nova temporada de caça ao Lula. Disparada, olhe só, pela Polícia Federal, cuja chefe máxima é... Dilma.
Será assunto para meses. Talvez caso pra CPI. As perguntas que precisam ser respondidas: houve corrupção ou tráfico de influência? Quem corrompeu, quem foi corrompido? Cadê o dinheiro? Rosemary usou sua influência junto a Lula? E, por fim, Lula se beneficiou da corrupção ou cometeu algum crime?
É motivo para revirar a vida pessoal do ex-presidente, como se fosse uma lata de lixo? Sem dúvida. E Lula deve tomar a iniciativa e se explicar. Quem vive de dinheiro público não tem direito de dizer que não fala deste ou aquele assunto. Vida particular de funcionário público sob suspeita é pública. Vale pra Rose. Vale pra Lula.
Homens públicos, assim como médicos e motoristas de táxi, traem suas mulheres, e por elas são traídos. Adultério não é crime. Se for, que comece o julgamento de Fernando Henrique, que fala sobre o caso Rose como se não tivesse traído Ruth Cardoso.
Bill Clinton quase foi derrubado pelos republicanos, por desfrutar de sexo oral no salão oval da Casa Branca. A oposição fez o que pode para derrubar Clinton, usando seu affair.
Foi enxovalhado na televisão, se humilhou, implorou desculpas etc. Sobreviveu por pouco, sabe-se lá com que custo para sua mulher e filha. Teve sua imagem abalada para sempre. É casado, como Lula e FHC. A diferença fundamental é que curtir minutinhos de prazer com miss Lewinsky não afetou em nada a economia, segurança, ética, ou que quer que seja dos EUA.
O ataque a Clinton foi eleitoreiro e moralista. É a mesma situação do Brasil? Não. A amante de FHC era funcionária da TV Globo.
A amante de Lula era funcionária pública, por indicação de Lula, não uma estagiariazinha. E pelo perfume - especialmente a história da tal ilha do Gilberto Miranda - havia muito dinheiro passando perto de Rose, bilhões.
Esse é sempre o assunto: dinheiro. Nosso ex-presidente gera ódio em alguns grupos, mas a rinha não é emocional. É disputa pelo poder, pela chave do cofre. Tentaram de todo jeito liquidar Lula, antes da sua primeira eleição e durante os seus oito anos de mandato. Saiu popularíssimo, elegeu sucessora, e agora o prefeito de São Paulo, ambos tirados da mágica manga de sua casaca.
Lula saiu incólume do julgamento do mensalão. Parece impossível que não soubesse do que seus braços direitos no governo e no PT faziam.
Bem, o que Dirceu e companhia efetivamente fizeram? As provas não deixem muito claro o quê, e muita gente séria ache que não se provou coisa nenhuma. O julgamento foi político? Natural, e é claro que algo de malcheiroso aconteceu. Mas crucificar José Dirceu como maior vilão da história da nação é tão ridículo como inocentá-lo. É ignorar ditadores, torturadores, Malufs e Sarneys, todos soltos e sossegados. E como vão as investigações sobre as privatizações tucanas, o mensalão mineiro, o metrô paulistano? Não vão.
A cobertura do julgamento atrapalhou. A história foi contada em termos de Fla-Flu, juízes pró e contra o PT. Magistrados viraram astros, e passaram a se portar como tais, para as câmeras. Distribuíram penas pesadíssimas, em País onde os líderes do crime organizado têm penas leves, que cumprem ordenando massacres de policiais, via celular. Só Lula, que indicou boa parte dos juízes do STF, foi poupado. A pressão continua. É o Rosegate, é Marcos Valério.
A satisfação de alguns astros da mídia é indisfarçável, pimpões como pintos na lama. Não conseguimos pegar Lula no mensalão, festejam, vamos pegar com essa Rose. Se não der, pelo menos fazemos ele sofrer um pouco, envergonhando sua esposa e filhos com a exposição de sua traição. E vamos dar o máximo de exposição às novas acusações de Marcos Valério. Pressionar por investigações, e dar munição para a oposição. E se nada colar, bem, quem sabe o câncer volta?
Não há nada de orgânico na nova direita midiática. É resultado de articulação explícita de setores conservadores, principalmente do setor financeiro. Dez anos atrás, não haviam direitistas assumidos no País, muito menos na imprensa. Todo mundo e qualquer um se dizia de esquerda. Hoje pululam. Ser antipetista se tornou lucrativo, graças a um azeitado circuito de seminários, palestras e colunas, tudo muito bem remunerado. De lá é direto para a lista dos livros mais vendidos. Para ser chamado ao banquete, é preciso ter nome; ocupar espaço na imprensa e academia.
É válido. O campo oposto também soube seduzir seus evangelistas, muitos acolhidos no poder, outros vivendo de mesada. Infelizmente, uma das exigências para a fama, no ambiente midiático de 2012, é o histrionismo. Trata-se de garantir que o mundo em preto e branco e cuspir certezas e bordões. Com isso, deixamos o campo do jornalismo e da opinião, e igualam-se em irrelevância os campeões dos dois lados.
Um lado então grita que é o maior escândalo desde Sodoma e Gomorra. E o outro garante que é mais uma tentativa de golpe midiático-tucano. Propaganda enganosa. Há uma tentativa de inviabilizar uma nova candidatura de Lula, e abrir pelo menos a possibilidade do PSDB levar a presidência em 2014? Sim. Lula nos deve explicações? Sim também.
Nem toda defesa de Lula é sectária. Nem toda acusação contra Lula é golpismo. Vamos fundo nas investigações de aprontadas tucanas e outras? Por favor. Mas vamos reconhecer que há jornalismo de fato, e evidências de fato contra Rose, os irmãos Vieira e companhia. Eles têm de falar. Assim como Cachoeira, e Valério. No Congresso, com transmissão ao vivo. E Lula também. Ele colocou a amante em cargo público. Ela aprontou. Lula tem direito ao respeito, como disse esta semana Dilma em Paris. E à crítica, pelo que ficou nos devendo. Mas não tem direito ao silêncio.
domingo, 17 de fevereiro de 2013
‘O fim da miséria?’
Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por J. R. Guzzo
O governo divulgou
no início de fevereiro vitórias importantes contra a miséria e prometeu que a
partir do mês que vem não existirá mais pobreza extrema no Brasil. Isso quer
dizer que não haverá ninguém, já agora em março, com renda inferior a 70 reais
por mês em todo o território nacional. Segundo os critérios oficiais em vigor,
geralmente avalizados por organismos internacionais, essa quantia é a marca que
define quem é quem na escala social brasileira.
O cidadão que tem
uma renda mensal de 70 reais, ou menos, é um miserável oficial; quem consegue
passar esse limite já não é mais. “Tiramos, entre 2011 e 2012, mais de 19,5
milhões de pessoas da pobreza extrema”, afirmou a presidente Dilma Rousseff.
“Até o mês de março vamos zerar o cadastro”. Segundo o governo, há no momento
600.000 famílias nesse registro; não haverá mais ninguém dentro de um mês,
salvo um número incerto de cidadãos que estão na miséria, mas não no cadastro.
Esses ainda terão de ser encontrados para receber do Tesouro Nacional, a cada
mês, os reais que vão salvá-los.
Pode haver erros
nessas contas, é claro, mas não se trata de números argentinos: basicamente,
retratam a realidade aproximada da fossa social brasileira. A dimensão
numérica, portanto, está certa. O problema é que ela também está errada ─
pois leva o governo a concluir que a miséria está acabando no Brasil, quando é
mais do que óbvio que ela continua existindo, e existindo à toda.
A primeira
dificuldade com a postura oficial está na pessoa verbal utilizada pela
presidente. “Tiramos” da miséria, disse ela ─ uma apropriação indébita da
realidade, pois quem tirou aqueles milhões de brasileiros da linha inferior aos
70 reais não foi ela nem seu governo, e sim o contribuinte brasileiro. Foi ele,
e só ele, quem sacou o dinheiro de seu bolso, através dos impostos que paga até
para comprar um palito de fósforo, e o entregou às coletorias fiscais; se não
fosse assim, não haveria um único tostão a distribuir para pobre nenhum.
Trata-se de um
vício incurável nos circuitos neurológicos dos governantes brasileiros.
Acreditam na existência de uma coisa que não existe: “dinheiro do governo”. É
como acreditar em disco voador. A diferença é que tiram proveito de sua crença;
é o que lhes permite dizer “eu fiz” tantas escolas, tantos quilômetros de
estrada e por aí afora, como se o dinheiro gasto em tudo isso tivesse saído de
sua própria conta no banco.
O problema essencial,
porém, está na lógica. Como nos ensina Mark Twain, que elevou o bom senso à
categoria de arte em quase tudo o que escreveu, existem três tipos de mentira:
a mentira, a desgraçada da mentira e as estatísticas. Esse anúncio do fim da
pobreza extrema é um clássico do gênero. A estatística precisa,
obrigatoriamente, de um número fixo para definir qualquer coisa que pretende
medir, assim como um metro precisa ter 100 centímetros.
No caso, o número
escolhido, e aceito por organizações imparciais mundo afora, foi 70
reais ─ mas não faz absolutamente nenhum nexo afirmar que uma pessoa que
ganhe 71 reais por mês, ou 100, ou 150, tenha saído da miséria. O resumo dessa
ópera é claro. Daqui a alguns dias, não haverá mais miseráveis nas estatísticas
do Brasil; só haverá miseráveis na vida real. Além disso, seremos provavelmente
o único país do mundo em que a miséria teve uma data certa para desaparecer. O
governo poderá dizer: “O Brasil acabou com a miséria no dia 15 de março de
2013, às 18 horas, ao fim do expediente na administração federal”.
Praticamente nenhum
cidadão brasileiro, ao sair todo dia de casa, leva mais do que 15 minutos para
dar de cara com alguma prova física de miséria. Mas, do mês de março em diante,
terá de achar que não viu nada. Se procurar alguma autoridade para relatar o
fato, ouvirá o seguinte: “O senhor deve estar enganado. Não há mais nenhum
miserável no Brasil”. É assim, no fim das contas, que funciona o sistema
cerebral do governo. A realidade não é o que se vê. É o que está no cadastro.
Inadimplência como desobediência cívica
Por Marco Roza
Os sinais estão todos aí. Dados do Banco Central
(BC) mostram que as famílias da nova classe média brasileira têm, em
média, 44,4% de sua renda anual comprometida com dívidas, o que, numa situação
limite, “sujam seu nome” nas agências de crédito como SPC, Serasa etc.
Mais do que uma constatação estatística que
dimensionaria os maus pagadores, o que estamos vivendo (mas ainda não
reconhecemos) é a adoção da inadimplência como desobediência cívica.
Segundo a Serasa Experian, do total de
inadimplentes, cerca de 30% têm apenas uma dívida em atraso, e os outros 70%
mais de uma. A média é de cinco por pessoa. Depois do cartão de crédito (com
juros no crédito rotativo em torno de 323% ao ano), destacam-se as taxas de
12,1% no atraso do cheque especial (com taxas de juros ao redor de 151% ao
ano), e da aquisição de outros bens, 12,9%.
Mas à medida que caem os juros reduz-se a
inadimplência.
Por exemplo, as prestações de crédito pessoal,
veículos e financiamento imobiliário têm as menores taxas de inadimplência, de
6,2%, 5,9% e 1,5%, respectivamente, segundo as informações divulgadas pela
Serasa Experian.
Apesar dos discursos oficiais e do ufanismo de
algumas lideranças políticas e empresariais, os brasileiros da nova classe
média conquistaram seu lugar no mercado de consumo na marra. Romperam o
apartheid econômico que os mantinha nas favelas e cortiços e saíram às ruas
para conquistar, também na marra, suas próprias rendas.
Como?
Aproveitaram a primeira brecha da inflação
controlada, a partir de 1994, e se viraram como camelôs, faxineiras, mecânicos
de automóveis, donos de botecos e de carrinhos de cachorro quente. Vendem, de
porta em porta, cosméticos, roupas, sapatos, ovos, ferramentas e colchões.
Aprenderam a gerenciar sua própria economia
informal, a partir dos códigos vivenciais que desenvolveram para sobreviver
fora da economia formal ao longo das décadas.
Acumularam experiência e alguma renda nas barbas
das elites, que foram obrigadas aos poucos a lhes conceder um novo status de
cidadania e de consumo, para absorve-los nos rituais da retomada
democrática brasileira. E também assimilar essa imensa sede de consumo diante
das seguidas crises financeiras mundiais.
Esses brasileiros e brasileiras da base da pirâmide
social, alguns com carteiras de trabalho e a imensa maioria com títulos
eleitorais, foram percebidos pelos partidos políticos que compreenderam que era
possível ganhar eleições ao vincular suas propostas às expectativas de
pertencimento destes milhões de brasileiros, tradicionalmente excluídos.
Dessa combinação de oportunismo político, legítimo
numa democracia, e da necessidade de se confirmar as vontades agora cidadãs de
um imenso contingente de homens e mulheres que aprenderam a buscar trabalho e
renda emerge uma nova realidade econômica no Brasil.
Agora governado por políticos mais ou menos
alinhados com essa cidadania pulsante e que adotam políticas públicas que
freiam, até certo ponto, a fúria de concentração de renda das elites.
E que trocam o voto dessa massa de
cidadãos-consumidores por acesso à sobrevivência básica, via Bolsa Família; ao
consumo e, principalmente, ao crédito com juros embutidos que, em caso de
dívidas, transferem renda de maneira brutal, ilegal e ilegítima, através de
juros compostos e extorsivos, nas barbas dos governantes que fingem nada ver.
Resgata-se o equilíbrio entre as elites, que se
acomodam no poder e que através do crédito antecipam o carro zero de mil
cilindradas (um dos mais caros do mundo), os eletrodomésticos, as
quinquilharias que confirmam a humanidade destes consumidores populares.
Desbravadores, indômitos e acostumados a arrancar o que precisam da vida,
enquanto podem, sem medir consequências.
É quando os juros extorsivos, embutidos nas compras
a prazo ou explícitos nas cobranças das dívidas em atraso começam a ser
coletiva e intuitivamente percebidos como ilegítimos.
Surge então a inadimplência como desobediência
cívica. Que as elites e seus economistas de plantão tentam, a todo custo,
classificar como falta de educação financeira desses novos consumidores.
Mesmo sendo dessa elite financeira a iniciativa de
incentivar o crédito, de só vender a prestação para transformar a operação de
compra e venda num relacionamento financeiro.
E que obriga o novo consumidor a desembolsar duas a
três vezes o valor dos bens que adquire nessa sua nova etapa, especialmente
quando há atraso nas prestações, através dos juros embutidos, juros de mora e
“comissão” de permanência mais honorários advocatícios.
Até que cai a ficha, para cada consumidor
desrespeitado isoladamente, como está acontecendo atualmente. E a desobediência
cívica coletiva emerge e se impõe.
Porque mesmo sem terem lido “A República Explicada
à Minha Filha”, de Regis Debray, esses consumidores-cidadãos descobriram que “o
que é legal nem sempre é legítimo. Acima da lei, há a Constituição. Acima dos
regulamentos, há a humanidade”.
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